ISSN electrónico 2145-9355 |
ARTÍCULO DE REFLEXIÓN
A necessidade da compreensáo da autoridade moral no pensamento de John Finnis*
La necesidad de comprensión de la autoridad moral en el pensamiento de John Finnis
The need for moral authority understanding the thought John Finnis
Gustavo Jaccottet Freitas**
Universidad Federal de Pelotas (Brasil)
Resumo
O artigo visa apresentar o impacto do Pensamento de John Finnis acerca do di-reito, o qual deve ter a norma jurídica calcada como um elemento que Ihe oferega autoridade moral. A pesquisa tem por alvo encontrar o espectro do Estado de Direito no pensamento finnisiano a partir de tres premissas fundamentáis: 1) o significado da lei natural; 2) O primeiro principio da razao prática; e 3) desenvolver a localizagao correta dos chamados bens humanos básicos. A metodologia é baseada na hermenéutica das obras de Finnis e outros que estao investigando e comparando suas opinioes com autores como Kelsen, Ross e Alexy. A questao do direito humano a autoridade é, de fato, a sua autoridade sobre a lei natural. Por lei humana tem-se em conta que o instrumento legal que deriva de uma lei criada pelo indivíduo pode ser considerado ou hierarquicamente superior ou de ser respeitado em risco de conter a autoridade da lei humana, precisamente porque é a lei natural que é com sua fundagao.
Palavras-Chave: finnis, direito, lei, autoridade moral.
Abstract
The article presents the impact of John Finnis of thinking about the law, which must be grounded rule of law as an element that will offer you moral authority. The research is targeted at finding the rule of law spectrum finnisiano thought from three fundamental premises: 1) the meaning of the natural law; 2) The first principle of practical reason; and 3) develop the correct location of so-called basic human goods. The methodology is based on the hermeneutics of the works of Finnis and others who are investigating and comparing their views with authors like Kelsen, Ross and Alexy. The issue of human right to authority is, in fact, his authority over natural law. For human law must take into account that legal instrument that derives from a law can be considered or hierarchica-lly superior or to be respected at risk of containing the authority of human law, precisely because it is the natural law that is with its foundation.
Keywords: finnis, law, rights, moral authority.INTRODUgÁO
John Finnis (1940) é um autor que desperta cada vez mais a curiosidade da comunidade jurídica, política e filosófica. Os assuntos abordados em suas obras proporcionam uma renovacáo académica, especificamente em emas que ano após ano recebem contribuicóes cada vez mais pomposas1, como os temas afetos ao direito de familia (same sex marriage e a permissibilidade de adocáo de criancas por casais homossexuais) e á biosseguranca (demandas que envolvem o fomento de pesquisas com células tronco, o aborto e o descarte de embrióes fertilizados) e suas implicacóes para o Direito. Náo obstante, estas contribuicóes solucio-nam diversos aspectos que sáo trabalhados por Finnis, especialmente em momentos em que o leitor se depara com afirmacóes que num pri-meiro momento aparentam ser aporéticas, quando se diz respeito, por exemplo, á vida ou á amizade, donde se pode deduzir que uma vida só pode ser devidamente gozada num ambiente sociável.
Dadas as proposicóes do Autor de um rol náo só de bens humanos básicos, como igualmente de critérios de razoabilidade prática, a for-mulacáo descritiva das normas jurídicas2, as quais requerem a eleicáo de critérios específicos para a sua aplicacáo, retornam ao cerne do debate que diz respeito especificadamente á justica e á autoridade da lei. Náo há uma fundamentacáo correta do Direito sem que esses dois elementos, justica e autoridade, sejam dissecados, pois tratam-se dos dois lados de uma mesma moeda.
A proposicáo que é apresentada neste texto surge num ambiente fecundo de uma discussáo que foi abreviada pelo positivismo jurídico, é dizer, as normas jurídicas náo apenas deveriam como devem conter elementos morais. A separacáo entre o direito e a moral, vista como uma garantia pelos positivistas, resulta esvaziar o conteúdo normativo do próprio direito, uma vez que, pelo menos numa abordagem mais rasa, náo há como se afastar o direito da exigencia de elementos de justica, equidade e moralidade.
Propóe-se a análise de um problema filosófico fundamental que afeta a teoria geral do direito como um todo: a questáo da sua autoridade moral. Este assunto abarca toda uma problemática que é bastante relevante. Autores como Hans Kelsen, Alf Ross e Habermas, em contrapartida, apresentam solucóes que deixam de lado as conjecturas práticas do direito natural. Ao considerar que uma lei é por si só válida por ter a sua vigéncia dada por uma lei anterior, Kelsen depura o direito da necessidade de um princípio material de adequacáo normativa, já Ross valora expressamente o direito como objeto de criacáo de uma autori-dade pública, seja ela o legislador ou um juiz. Habermas, por sua vez, entende que a legitimacáo do Direito requer um elemento factual que seja capaz de lhe dar validade, em que o sistema jurídico (uma visáo panorámica do direito) só é possível a partir de um ponto de vista legalista. Mais recentemente, Ferrajoli lanca máo da Teoria Garantista do Direito, em que o Autor busca uma reaproximacáo com o Direito Natural e ao mesmo tempo mantém o afastamento entre direito e moral.
Em contraponto a elementos jurídicos meramente formais, tais quais os apresentados náo só pelos autores mencionados no parágrafo acima, Finnis resgata, a partir do texto de Grisez, a heranca aristotélico-tomista das formulacóes do direito, dando a este um contorno cuja validade náo fica restrita, por exemplo, á dimensáo meramente abstrata da norma jurídica em consonáncia com uma norma jurídica anterior, como queria Kelsen. É dizer, para grande parte dos positivistas, o que dá validade ao direito náo é nenhum substrato de índole material, sendo essa uma mera formalidade a ser seguida pelas autoridades responsáveis pela elaboracáo e aplicacáo da lei. Isto, por si só, já justificaria uma digressáo pelo assunto escolhido, mas buscase uma justificativa mais sutil, a qual está centrada na fundamentacáo das acóes práticas do direito. Logo, o tema será apresentado de acordo com o que é tratado por Finnis em Aquinas, Lei Natural e Direitos Naturais3, Fundamentos de Ética e o Direito Natural em Tomás de Aquino, com o aporte de outros autores, como, Herbert Hart, Alf Ross, Giorgio Agamben e Robert Alexy, para náo citar outros.
METODOLOGIA
A metodología empregada compreende a análise das obras de John Finnis, bem como o suporte de outros autores presentes á Filosofia do Direito, a fim de que se realize uma exegese completa acerca do problema filosófico proposto. Há ainda a necessidade de se recorrer aos comentadores mais incisivos ás obras de Finnis, quer de origem nacional, quer de origem estrangeira.
A APRESENTACÁO DO DIREITO NATURAL
COMO TEORIA DO DIREITO
John Finnis apresenta o Direito Natural como uma forma adequada de compreender a Teoria do Direito. Neste primeiro momento há, portanto, a necessidade de adequacáo da Teoria do Direito Natural como um meio de explicar o Direito. A abordagem realizada por Finnis ataca náo só as instituicóes jurídicas tidas como tradicionais, das quais se destaca a própria Constituicáo e a Jurisprudencia, como ainda tece uma trama complexa de elementos que somente em conjunto sáo capazes de oferecer uma forma coerente ao Direito e preenchelo de maneira coerente com as demandas sociais a fim que náo ocorram contradicóes ou omis-sóes. Dessa maneira, entendese que a Teoria do Direito, até entáo, seja como fora apresentada por Kelsen ou Alexy, por exemplo, apresenta um número bastante grande de lacunas e omissóes, as quais só podem ser supridas pelo Direito Natural.
Finnis entende que a Teoria Moderna do Direito Natural, engendrada por autores como Pufendorf, náo representa para os Autores contemporáneos o que melhor se pode extrair do Direito Natural, pelo contrá-rio. Esses autores, como Robert P. George e Germain Grisez, se utili-zam de parte da Teoria Clássica do Direito Natural, a qual nos remete a Platáo, Aristóteles, Cícero, Agostinho e santo Tomás de Aquino, para a formulacáo da chamada Escola Contemporánea do Direito Natural.
As inflexóes jurídicas e filosóficas com as quais muitos autores do direito e da filosofia se depararam ao buscar compreender o pensamento de teóricos como Kelsen, Austin e Bentham justificam a adocáo de um novo posicionamento em busca de uma nova maneira de se explicar o direito:
Algumas pessoas tém em mente que há um compartimento distinto para cada teoria que apresenta um novo ponto de partida para a resolucáo de um problema, teorías estas que podem sequer representar um mínimo normativo (capaz de dirigir as minhas decisóes), mas que ao invés disso goza daquilo que Brian Leiter, apropriandose da frase de John Gardner, exalta como "uma inércia compreendida normativamente" (Finnis, 2011, p. 32).
Uma Teoria do Direito, portanto, deve ser identificada como capaz de servir como guia para as acóes dirigidas pelo desígnio humano, como fonte de argumentacáo jurídica para a criacáo da jurisprudéncia, da fundamentacáo das instáncias da esfera dos trés poderes, para a validacáo dos atos das autoridades públicas e como elemento fundamental da crítica a um direito injusto e da caracterizacáo, no mesmo sentido, do que se entende como justo.
Finnis supóe que deve haver cidadáos e funcionários públicos que cumpram as disposicóes normativas que lhes sáo imputadas. Pelo Direito Natural como Teoria do Direito passa a ser possível a confi-guracáo de uma estrutura de implementacáo das normas jurídicas, totalmente diferenciada da forma adotada pelo Positivismo e pelo Realismo Jurídico.
Igualmente, a fim de náo apresentar um argumento inicial falacioso, há de se apregoar o questionamento de Finnis: "Tal teoria pode identificar quais as características que toda a orientacáo jurídica necessariamente tem?". (Finnis, 2011, p. 32)
Talvez seja este o questionamento que deva ser realizado por todos aqueles que buscam entender o Direito a partir do Direito Natural. É possível que o Direito Natural seja capaz de conter elementos jurídicos normativos e respeitar as exigencias de justica, equidade e moralida-de? Finnis, ao seu estilo, propóe uma resposta ao questionamento:
Meu argumento feito anteriormente foi de que este empreendimento [do Direito Natural como Teoria do Direito] pode parecer redundante: tudo aquilo que se pode querer de maneira precisa e com uma descrigáo fática em que juízes, autoridades públicas, e o que o cidadáo obediente ás leis faz, e o porque eles necessitam obedecer ás leis, é suplantado pela teoria que é normativamente robusta em seu ponto de partida e em suas conclusóes em que náo poderia haver outro resultado senáo levando em conta o longo caminho percorrido desde o ponto de partida até á conclusáo, um todo de opgóes variadas, desde implementagóes, melhorias, distorgóes, abusos e assim por diante (Finnis, 2011, p. 32).
Finnis, náo obstante, náo se contenta com apenas uma resposta. O autor continua a se ater á necessidade de que o Direito Natural como Teoria do Direito seja responsivo naquilo que vem a dizer respeito á seguinte questáo: "É possível que uma teoria do direito puramente descritiva seja 100% normativa? Essa teoria seria capaz de identificar todos os elementos legais capazes de guiar a toda uma orientacáo jurídica?" (Hart, s. d. p. 32). A fim de encontrar um resultado que esteja de acordo com a sua proposta, ou seja, do direito natural como teoria do direito, Finnis argumenta que a proposta de Leiter náo é suficiente para a compreensáo do direito natural como uma teoria ou filosofia do direito. Em busca de maiores respostas, Finnis aduz que devesse analisar profundamente náo só algumas teorias, senáo todas as principais teorias do direito. Para tanto, recorre ao raciocinio de Hart, que em suas palavras:
Hart argumentou, ao contrário de Kelsen e (em outro sentido) Bentham e Austin, que regras passam a conferir poderes privados ou individuais (por exemplo, na redagáo de um contrato) que náo devem ser descritos, em forma de meros fragmentos de obrigacóes impostas por normas jurídicas (Finnis, 2011, p. 35).
Em relacáo á coeréncia necessária para se ter uma teoria do direito, portanto, Finnis faz uso do modelo de regras proposto por Hart, em contraponto ao modelo utilitarista de Bentham e ao Positivismo de Kelsen e Austin:
Mais adiante em o Conceito de Direito, Hart aduz que o direito deve ser entendido como, unicamente, a juncáo de normas primárias e secundárias. Por normas primárias entendese, segundo Hart, aquelas que impóem obrigacóes para que o sujeito se abstenha de praticar atos de violencia, roubo e fraude, além de outras obrigacóes. Por normas secundárias, disse ele, para remediar os efeitos de criacáo das normas primárias a partir de normas que conferem poderes de mudar uma situacáo jurídica e de levar a um órgáo para que julgue algo ou alguém - regras que estáo postas estrategicamente nesta posicáo sáo táo importantes para a sociedade que a sua introducáo é como "um passo adiante" se comparadas com a invencáo da roda (Finnis, 2011, pp. 35).
A importáncia que Finnis atribui ao modelo de regras proposto por Hart é de grande importáncia nessa busca do direito natural enquanto teoria do direito. A normatividade do modelo de regras apresentado por Hart confere ao pensamento de Finnis a sustentacáo que ele tanto buscava quando se questionava acerca da possibilidade de ter no direi-to natural um sistema jurídico normativo.
A LEI NATURAL4 PARA JOHN FINNIS
O ponto de partida ao pensamento de Finnis é o artigo O Primeiro Principio da Razao Prática5 de Germain Grisez. Neste texto o autor é bastante modesto diante da grandiosidade dos problemas que podem ser desenvolvidos a partir de sua obra. Náo gera nenhuma surpresa o fato da filosofia do direito de Finnis seguir, pelo menos numa leitura vulgar, sem maiores aprofundamentos, o pensamento que deu início á inter-pretacáo finnisiana do pensamento de Tomás de Aquino.
Grisez intenta demonstrar que a interpretacáo do referido princípio está equivocada e organiza toda a sua argumentacáo num plano que diz respeito á filosofia do direito: "As linhas principais da teoria dos princípios morais de Tomás de Aquino sugerem que as normas morais (preceitos, padróes) sáo especificamente de 'o bem é para ser feito e perseguido, e o mal evitado'" (Finnis, 2007, p. 44). Estes elementos morais presentes na Filosofia do Direito apresentada por Finnis contem princípios orientadores para que uma conduta seja realizada ao ponto de ser considerada como moralmente adequada a um conjunto de pa-dróes básicos estabelecidos anteriormente.
Alguns autores enfatizam que a aproximacáo do pensamento de Fin-nis ao que fora proposto por Grisez representa uma Nova Escola do Direito Natural. Finnis entende que o pensamento iluminista náo chegou a compreender o Direito da mesma forma que Finnis o faz no presente. Autores como Kant e Hume tinham elevado o Direito a um mero elemento de distribuicáo de acóes jurídicas negativas, é dizer, o respeito ao direito de propriedade, por exemplo. Nesse sentido, segue o entendimiento de Leandro Cordioli (2011):
Nessa visáo, um principio no raciocinio prático serviria táo somente para restringir e selecionar as possibilidades de acáo em funcáo de inclinares náo inteligíveis. A grande virada proposta pela Nova Escola de Direito Natural, da qual John Finnis faz parte conjuntamente com Germain Grisez, entre outros, foi exatamente revolucionar modernamente essa concepcáo. Isso foi realizado com a retomada dos ensinamentos de Tomás de Aquino na interpretacáo proposta por Grisez em seu ensaio O Primeiro Principio da Razao Prática (1965) e adotada por John Finnis como coluna vertical de sua ética, de sua descricáo do Direito e de sua teoria política. (p. 79)
No pensamento de Finnis a lei passa a receber a alcada de um código moral calcado em acóes moralmente relevantes. Náo há um direito natural negativo, que simplesmente determina as condutas que náo sáo toleradas. A razoabilidade prática presente no pensamento de Tomás de Aquino e resgatada por Grisez exerce uma funcáo de dá azo á busca de fins essenciais ao desenrolar da vida humana. Para que esta seja adequada aos fins pretendidos pelos seres humanos, alguns conceitos fundamentais devem sem compreendidos. A teoria de Finnis requer a imersáo em questóes metodológicas bastante complexas para a teoria do direito. Muitas delas já foram tratadas por diversos autores, mas que ainda requerem um trato seguindo o estilo do Autor. Para tanto, o sentido da expressáo "natural", "idade da razáo", "plano de vida", "bens humanos básicos" e "bem comum" seráo melhor explicados.
O SENTIDO DE "NATURAL" PARA A FILOSOFIA DO DIREITO
O verbete "natural" por si e em si pode dizer respeito a diversos elementos e objetos presentes ao nosso redor. É somente quando contextualizado que o mesmo passa a ter um sentido a ser problematizado pela filosofia do direito. Wilson Engelmann entende que os postulados apresentados por Finnis sugerem que o Direito Natural é um elemento fundamental para a compreensáo do Direito como um todo:
A discussáo acerca do Direito Natural acompanha de longa data a evolucáo da história do pensamento humano. O marco histórico sobre a existéncia de uma lei (ou norma) superior ditada pela natureza, que rege a conduta dos homens parece ser a obra de Sófocles, Antígona (Engelmann, 2007, p. 135)
É justamente em Antígona que se entende a tensáo entre as criacóes oriundas do Natural -atribuída ou ao plano de Deus (ou dos Deuses) para os seres humanos ou pela interpretacáo racional desse plano-passa a apresentar uma séria tensáo com as Leis Humanas. Na Grécia Clássica, especialmente a partir das insercóes políticas engendradas pelos tragediógrafos, a importáncia da autoridade e do respeito á lei se faziam presentes em diversas pecas teatrais. Talvez seja em Antígona, de Sófocles, em que a legitimidade da lei insurgiu em um aspecto que mereca uma maior cautela, dada a tensáo sempre constante entre a lei humana (positiva) e a lei divina (lei natural). Na obra de Sófocles, Creonte, o regente de Tebas6, funda-se na utilidade político-social da lei humana, é dizer, a lei desenvolvida pelos homens a partir da interpretacáo da lei natural para impedir que Polinices, tido por Creonte como um rebelde, tivesse a garantia de ser sepultado.
Antígona, ao contrário, contesta as ordens do Regente de Tebas, com uma argumentacáo sustentada pela lei ditada pelos Deuses (direito natural), pois entendia que o direito á sepultura era um costume advindo da interpretacáo náo só da lei divina, mas das práticas recorrentes em solo tebano. É neste ponto que há a inflexáo entre a peticáo de Antígona e o decreto de Creonte, o qual entendeu que a desobediencia de Polinices, que, uma vez exilado em Argos, reuniu um exército e se dirigiu a Tebas para retirar o seu irmáo do trono, náo lhe tornava digno de ser sepultado em solo tebano.
A descendente dos Labdácidas postulava pelo respeito ao direito divino, uma vez que Creonte havia negado o direito á sepultura ao seu irmáo Polinices em razáo do respeito á lei dos homens, a qual, no caso, tinha como fonte um decreto emitido pelo próprio Regente, enquanto o havia permitido a seu outro irmáo, Etéocles, os quais haviam cometido o fratricídio, relatado na tragédia Sete contra Tebas, de Esquilo. A legitimidade, portanto, do ponto de vista em que a forca do Direito deve se sobressair sobre ao direito da Forca, está no questionamento necessário acerca da maneira com que uma lei é elaborada.
Posteriormente, o pensamento aristotélico passa a ser relevante para a compreensáo do elemento "natural" do Direito quando o autor esta-belece a distincáo entre a justica natural e a justica legal, considerando que ambas sáo parte integrante de uma justica política7. O item natural que passa a se tornar um adjetivo do Direito náo é uma contraposicáo ao elemento humano ou positivo presente nele. Em alguns momentos, como da leitura da obra de Aristóteles, por exemplo, pode-se tratar de dois lados de uma mesma moeda.
O PRIMEIRO PRINCÍPIO DA RAZÁO PRÁTICA
O Primeiro Principio da Acáo Prática
Há diversos princípios da razáo prática. Para a compreensáo do Direito Natural, todavia, basta o conhecimento do primeiro, pois ele contém elementos descritivos suficientes para se depreender que o Direito é um complexo normativo que visa a preservacáo do bem e a sancáo a condutas contrárias a esse bem. O primeiro princípio da acáo prática está presente na obra de Tomás de Aquino, mais precisamente na Suma Teológica, em sua primeira parte, questáo 94, pontos 1 e 2. Nessa questáo, Tomás de Aquino passa a tratar das acóes do homem enquanto um ser capaz de agir de forma correta ou incorreta. Para agir de forma razoável o ser humano deve estar provido de dois elementos fundamentais: 1) o entendimento sobre o seu entorno; 2) e a vontade de realizar algo.
Para tanto, o primeiro princípio da razáo prática é estritamente um comando advindo da correta compreensáo do verbo: o bem há de se um objetivo a ser buscado e da mesma forma o mal deve ser evitado. Esta interpretacáo foi realizada por Grisez ao interpretar o que Tomás de Aquino entendia como necessário para que o homem compreendesse o alcance das acóes descritivas. Igualmente, esta interpretacáo se afasta da que está presente na Suma Teológica:
Disponhome a mostrar quanto esta interpretacáo deixa de lado a verdadeira posicáo de Tomás de Aquino. Meu objetivo náo é contribuir para a história da lei natural, mas clarear a ideia de Tomás de Aquino a seu respeito para o pensamento contemporáneo [fundando assim uma Nova Escola do Direito Natural]. Em vez de empreender uma revisáo geral da teoria completa da lei natural de Tomás de Aquino, concentrarme-ei no primeiro princípio da razáo pratica, que e também o primeiro preceito da lei natural. Este princípio, conforme expresso por Tomás de Aquino, é: o bem há de ser feito e buscado, e o mal há de ser evitado. Embora essa fórmula seja apenas ligeiramente diferente em termos ver-bais daquela do comando faz o bem e evita o mal, tentarei mostrar que as duas fórmulas diferem consideravelmente em significado e que ambas pertencem a contextos teóricos diferentes. (Grisez, 2007, p. 180)
A realizacáo do bem proporciona, portanto, o afastamento do mal. É apenas por meio da realizacáo de acóes moralmente boas que se pode náo realizar acóes más. A sentenca de Tomás de Aquino, igualmente, náo é um imperativo, pois o autor abre espaco para a possibilidade de que o mal seja realizado; e, dessa forma que o faz, viola a lei natural. Se o primeiro princípio da razáo prática fosse interpretado apenas como realizar o bem ou náo realizar o bem, náo se faria presente um elemento jurídico fundamental ao primeiro princípio da razáo prática: a obri-gatoriedade. Em outras palavras, quando se trata de algo mandatório, a normas jurídicas8 devem conter elementos descritivos que quando interpretados possam dar ensejo á elaboracáo de regras mandatórias. Com a finalidade de tornar esta premissa cognoscível, faz-se uso do exemplo do cumprimento de um contrato. Se um contrato prediz que se deve entregar a propriedade após a realizacáo do pagamento do respectivo valor em dinheiro, é fundamental que duas condutas corretas sejam realizadas, quais seja, a entrega do dinheiro e a transferéncia de propriedade. Só desta maneira o contrato se faz cumprido. Quando ocorre a inexecucáo de um contrato, de um acordo de vontade, a parte lesada passa a ter o direito de exigir que a obrigacáo contraída pela outra parte seja cumprida sob o risco de vir a ser sancionada juridicamente. Há, dessa forma, um princípio supremo da moral e ele está contido no primeiro princípio da razáo prática.
A Idade da Razáo
Só é capaz de compreender a melhor maneira de executar as suas condutas e agir de acordo com o bem e vir a evitar o mal, exatamente da forma prescrita pelo Primeiro Princípio da Razáo Prática, aquele indivíduo que já atingiu a idade da razáo. Náo há um número específico sobre qual seja a idade da razáo.
Os elementos que compóem o Direito Natural podem ser compreendidos por qualquer um que já tenha atingido a idade da razáo. Náo se trata de um privilégio restrito apenas aos metafísicos. Frisese que esses princípios, ainda que náo sejam um privilégio de uma classe específica, náo se demonstram por si só. Aquele que busca conhecelos necessita estar apto para tanto.
Um plano coerente de vida9
Finnis trata do plano coerente de vida como um dos elementos básicos para o reconhecimento da razoabilidade prática a partir do primeiro princípio da razáo prática. Diz o autor:
Primeiro, entáo, devemos lembrar que, embora eles correspondem a impulsos e inclinacóes que podem fazerse sentir antes de qualquer consideracáo inteligente do que vale a pena perseguir, os aspectos básicos do bemestar humano sáo perceptíveis apenas para aqueles que pensam sobre suas oportunidades, e a partir daí as faca realizáveis apenas se inteligentemente delineadas, focadas, e sob o controle que urge das inclinacóes e dos impulsos. (Finnis, 1980, p. 103)
Note-se que o afastamento dos impulsos e das inclinacóes é algo que está perfeitamente de acordo com o Primeiro Princípio da Razáo prá-tica quando estes disserem respeito a condutas que náo sejam boas. Só há um plano coerente de vida quando os desejos a serem concretizados estiverem adequados ao querer o bem e náo praticar o mal.
SITUANDO OS BENS HUMANOS BÁSICOS
Um bem humano básico, portanto, diz respeito náo apenas a um elemento esparso da vida humana, mas sim a um conjunto de elementos que o dáo solidez e fecundidade e, da mesma forma, Finnis os elenca em um rol meramente exemplificativo; ou seja, admite-se a cumulatividade dos bens humanos básicos da mesma forma que os mesmos sejam necessários para o pleno desenvolvimento da compreensáo do Direito Natural. Segundo Finnis (2011), "curiosamente náo se tratam apenas de meros impulsos, inclinacóes ou interesses" (p. 81).
Seguindo a linha de raciocínio do autor, os bens humanos básicos sáo táo fundamentais ao desenvolvimento de uma vida humana desejável como os Direitos Fundamentais sáo elementares para que se compreenda o formato e a autoridade das Leis Humanas. Os bens humanos básicos, portanto, sáo uma forma de se fomentarem demandas á pretensáo de se universalizar o que se entende por Direito Natural ou "'natureza humana' para dilatar (uma conclusáo que pode ser meramente falacio-sa), mas a partir do estabelecimento de um resguarde para a possibili-dade de que outras atividades que digam respeito á natureza humana fiquem em aberto" (Finnis, 2011, p. 81).
Há de se salientar, ademais, que há uma série de barreiras metodológicas que devem ser superadas para que se fixe uma ideia clara sobre a funcáo dos bens humanos básicos. A elaboracáo de seu rol náo pode ser arbitrária e ao mesmo tempo esses bens devem dizer respeito a diversas inclinacóes e interesses que o interesse comum deseja que venham a ser fomentados. Igualmente numa lista de tendéncias a serem seguidas para o estabelecimento desses bens humanos básicos, há a presenca de interesses e inclinacóes que podem ser claramente incompatíveis. E, igualmente, os bens humanos básicos náo podem ser con-vencionados a partir de argumentos metodologicamente fracos. Para uma compreensáo completa das necessidades humanas, os bens humanos básicos devem compreender demandas fortes que digam respeito ao bem comum.
OS DIREITOS COMO DIREITOS MORAIS
O estudo dos temas que dizem respeito diretamente á filosofia do direito tem implicacóes diretas sobre a vida dos seres humanos. Muitos teóricos do direito tem em tela que o direito é táo somente um elemento de impacto social e tomam por conta que a norma jurídica é puramente descritiva.
Uma primeira motivacáo que deve ser levada em conta é puramente política, como o utilitarismo de Bentham. Sob outro ponto de vista, o utilitarismo de Bentham passa a ganhar contornos filosóficos:
O empirismo de Bentham nos faz acreditar que quando nós ou os juízes se referem á falta de tangibilidade dos sons, marcas e notas mentais, náo se tem nada além de uma ficcáo. A abordagem mais recente é que (ou diz respeito), oferecendo pluralidade de valores e crencas ("o fato do pluralismo"), nenhum método de resolucáo dos conflitos sociais pode ser tratado de forma eficiente com seguranca de acordo com os preceitos legais .... (Finnis, 2011b, pp. 1-2).
A partir da abordagem de Bentham, citada por Finnis, podese entender que os Direitos Humanos sáo um meio bastante valioso para a solucáo de conflitos sociais. Numa perspectiva política, eles sáo um "cheque em branco", que serve para colocar fim a demandas sociais que muitas vezes chegam a patamares bastante violentos. O autor, por sua vez, os entende como direitos morais: "os Direitos Humanos tem uma exploracáo lógica, em relacáo á legalidade, ... sáo como direitos morais" (Finnis, 2011a, p. 2).
Por direitos morais entendese exatamente o que fora apresentado na introducáo: os seres humanos possuem, independentemente de suas prerrogativas individuais, o mesmo tratamento jurídico á lei. No mesmo sentido, segue o entendimento de Carlos Ferraz (2014): "sociedade alguma pode florescer, individual e coletivamente, sem levar em con-sideracáo o bem comum" p. 193).
Ter em consideracáo que o bem comum é um dos pilares fundamentais para o florescimento de uma sociedade. Mais adiante o autor continua:
Em suma, direitos individuais (sua reivindicacáo) pressupóem deveres relativos ao bem comum. Entendo, aqui, o bem comum náo como uma mera soma de bens pessoais, individuais. Por exemplo: embora eu adquira todos os livros dos quais eu necessite para a consecucáo de minhas pesquisas, a preservacáo, manutencáo e investimento em bibliotecas públicas faz parte do bem comum (Ferraz, 2014, p. 193).
O bem comum é algo que diz respeito ao todo, mas que pode, indiretamente, ser voltado para questóes egoísticas. Seguindo o exemplo de Ferraz, um sujeito que está com uma moléstia grave e possui uma grande fortuna pode financiar, visando a sua cura, o desenvolvimento de novos meios de tratamento. Caso tenha sucesso e venha a ser curado, o método por ele fomentado pode vir a salvar outros seres humanos, ainda que hipossuficientes. Indiretamente, o bem comum foi fomentado, mais especificamente no que diz respeito ao bem humano básico vida, pois esta, que antes estava em risco, veio a receber um novo meio de tutela. No mesmo sentido vem a assertiva de Finnis (2011a): "Assim: 'o governo e o legislativo tem o dever de prevenir qualquer ameaca á vida das pessoas cujo status esteja sob a sua jurisdicáo', e assim por diante" (p. 2).
A partir desta última citacáo, resta claro que a preservacáo do bem comum náo é apenas algo que diga respeito aos seres humanos enquanto seres que tem o dever de fomentar a sua autossuficiencia, mas igualmente é oposto ao Estado, o qual deve, dentro da medida do possível, atendendo ás necessidades primárias diante das secundárias, tutelar pelo que for jurídica e politicamente relevante. Atividades políticas e jurídicas, por exemplo, perniciosas, devem ser evitadas sob o risco de se tornarem uma ameaca para a preservacáo do bem comum: "Com efeito, a atual retórica dos 'direitos', alicercada sobre interesses pessoais, subjetivos, pretende superar e eventualmente suprimir tudo ao seu redor. Originariamente, a ideia de direito náo estava desvinculada de sua correspondente responsabilidade" (Ferraz, 2014, p. 199).
A assertiva de Ferraz corrobora justamente o ponto de partida do presente paper. A busca por direitos acaba redundando numa rotulacáo desordenada de demandas sociais pelo reconhecimento de direitos como Direitos Humanos quando, em verdade, estes sáo táo somente aqueles direitos que estejam vinculados diretamente ao status moral de todos os seres humanos. E este status moral é justamente a afirmativa de que todos os seres humanos sáo moralmente iguais e a lei deve tutelar tal equalidade. Esta pressupóe que todos os seres humanos obedecam ao mesmo catálogo de leis ou, em outras palavras, devam respeito a um enunciado normativo estabelecido posteriormente á sua insercáo no meio social. No entendimento de Finnis (2011b):
Nenhuma lei humana nem seres humanos urbanos existem em razáo de qualquer interesse que esteja abaixo dos seres humanos em seu sentido estrito, pois o indivíduo pode vir a pensar e escolher, caso contrário, o entendimento para o conjunto de freios e contrapesos que sáo boas razóes quando há a necessidade de ser criar e manter algo. (p. 35)
Dessa maneira, os seres humanos náo sáo moralmente iguais ao mero acaso. Há uma conjectura de elementos que os leva a esse parámetro de igualdade em razáo da criacáo de leis. Náo fossem estas, náo have-ria o povoamento das cidades, o estabelecimento de regras e limites para o uso da propriedade privada (como a funcáo social da proprie-dade), as leis que regulam a boa-fé no trato contratual e no ambiente de trabalho.
Nesse paradigma liberal é ainda interessante que sejam ressaltados al-guns aspectos trazidos por autores clássicos, dos quais se destaca Von Mises (2010), que afirmou:
A característica essencial do capitalismo moderno é a producáo em massa de mercadorias destinadas ao consumo pelo povo. O resultado é a tendéncia para uma contínua melhoria no padráo médio de vida, o enriquecimento progressivo de muitos. (p. 13)
A cumulatividade dos direitos pode ser perfeitamente comparada com o enriquecimento. Como mencionado na introducáo, a busca pela felicidade é considerada como um dos direitos fundamentais de todo cidadáo dos eua. Neste sentido, náo se está afirmando que todo cidadáo norteamericano é feliz, mas que ele possui o direito de se prover de meios para prover a sua felicidade e nada o impede de fazer este ateio de forma distributiva. No contexto, um dos exemplos mais comuns é a Fundacáo Bill e Melinda Gates. O fundador da Microsoft, junto com sua esposa, dispendia de quantias bilionárias para o fomento da erradicacáo da fome no continente africano. Há outros exemplos que po-dem ser citados ainda: as fundacóes que provém bolsas de estudo para o ingresso de estudantes de Universidades de renome, como Harvard, Princeton e Georgetown. Há, ainda, condicóes para que se obtenham alguns desses benefícios, tais como o compromisso de no futuro auxiliar, igualmente, no fomento do mesmo benefício do qual se gozou no passado.
Von Mises apresenta um pensamento bastante fecundo no que virá a dizer respeito sobre a positividade da busca pela felicidade. O direito de ser feliz, ou, em termos mais precisos, pursuit of hapiness, isto é, sair em busca da felicidade e se for necessário agir de forma a ter esse direito resguardado é um dos princípios elementares do conceito liberal, no qual todos os seres humanos sáo moralmente iguais, sendo vedada qualquer discriminacáo nesse sentido:
As pessoas náo se esforcam e se afligem a fim de obter a felicidade perfeita, mas a fim de eliminar ao máximo as dificuldades que se apresentam e, assim, tornaremse mais felizes do que eram antes. O homem que compra um televisor deixa evidente o fato de que a posse desse aparelho aumentará seu bem-estar e o tornará mais contente do que antes. Caso contrário, ele náo o teria comprado. A tarefa do médico náo é a de tornar o paciente feliz, mas sim de eliminar a dor e deixálo em melhor disposicáo para que possa atingir o objetivo principal de todo ser, isto é, a luta contra todos os fatores nocivos á sua vida e ao seu bemestar (Von Mises, 2010, p. 57).
Merquior (1991), por sua vez, apresenta uma explicacáo bastante interessante para a compreensáo do que seja o direito de se buscar a felici-dade. De acordo com as palavras do autor:
E dessa forma nós devemos tentar que seja viabilizado o fomento da reducáo da miséria e a maximizacáo da felicidade, e devemos ainda questionar que náo é o porque de termos boas maneiras de definir esses parámetros, mas sim como será possível a maximizacáo da felicidade por meio dos parámetros da igualdade moral. (p. 120)
A felicidade, portanto, decididamente, náo assume um caráter de direito autoaplicável e sim de um direito que permite ao ser humano adentrar ao que for necessário, sempre em respeito á lei, para garantir que a igualdade moral de direitos e a busca por condicóes de vida dignas. O que se entende por eliminacáo das dificuldades está diretamente ligado ao paradigma de que sem o gozo de direitos fundamentais básicos, como a saúde e a educacáo, o indivíduo náo terá condicóes substanciais de atingir a felicidade a qual ele tem o direito de "sair em busca de".
O enriquecimento progressivo, ao qual Von Mises faz mencáo, só passa a ser factível numa perspectiva liberal em que é deferido ao ser humano agir de forma a buscar a melhor resolucáo dos seus interesses pessoais. Reiterase que da mesma maneira náo há impedimento algum para que estes interesses digam respeito á pessoa e ao mesmo tempo á coletividade. A exigencia fundamental é a de que náo ocorra nenhum tipo de impedimento por parte do Estado entre o desejo de buscar um determinado status social e atingi-lo. Da mesma forma náo se está falando necessariamente de um Estado Mínimo, o qual deve apenas fomentar para que os direitos individuais náo sejam agredidos. Diversos comentadores preferem seguir a senda de Dworkin, especialmente quando este diz que o Estado deve ser limitado juridicamente a fim de que as liberdades individuais sejam gozadas. Esse pensamento é confrontado com autores comunitaristas, dos quais citamos Gisele Cittadino (2000):
O pluralismo, entretanto, possui, pelo menos, duas significacóes distintas: ou o utilizamos para descrever a diversidade de concepcóes individuais acerca da vida digna ou para assinalar a multiplicidade de identidades sociais, específicas culturalmente e únicas do ponto de vista histórico. (p. 1)
A perspectiva comunitarista náo se afasta tanto do que os liberais contemporáneos (libertários) pretendem para o Direito. Ocorre que, ao invés de haver, em primeiro plano, o fomento no plano individual, este se dá no plano coletivo, mas náo existe impedimento filosófico algum para que realizacóes pessoais sejam operadas num plano comunitário e é justamente neste ámbito em que os bens humanos básicos, preconizados por Finnis, passam a se operar: "é em um ámbito comunitário, social, que se dá o florescimento humano. É nesse contexto que os 'basic human goods' sáo alcanzados" (Ferraz, 2014, p. 213). Encontrase diante da perfeita adequacáo da autonomia do ser humano em agir de forma livre em prol de seus interesses e da necessidade de que essa acáo diga respeito ao bem comum.
CONSIDERACÓES FINAIS
A questáo da autoridade da lei humana encontra, de fato, a sua auto-ridade no direito natural. Por lei humana tem-se de considerar todo aquele aparato legislativo que deriva de uma lei que pode ser considerada ou hierarquicamente superior ou que deve ser respeitada sob o risco de conter a autoridade da lei humana, justamente, pois é na lei natural que esta encontra o seu fundamento.
O direito, portanto, deve ser devidamente fundamentado, sob o risco de existirem leis injustas. A fim de resguardar a autoridade da lei, seja por conclusáo, seja por determinacáo, é razoável afirmar que a validade ao direito é outorgada pelo direito natural. Ao contrário do que queriam autores como Kelsen e Ross, o direito natural é capaz de dar a sustentabilidade necessária ao direito, pois se diferencia da Grundnorm diante do fato de que tem um conteúdo certo e determinado, os bens humanos práticos, e do realismo jurídico, ao prever que no direito devem existir substratos razoáveis aptos á garantia do bem comum.
Náo fosse isso, Finnis náo elencaria em sua teoria toda uma coletividade de interesses que devem ser juridicamente protegidos, aos que ele passou a chamar de bens humanos básicos, em continuidade ao que queria Germain Grisez ao resgatar o pensamento aristotélico-tomis-ta do direito natural. Destarte, a justica como equidade é o ponto de equilíbrio razoável entre um direito que prima pela sua validade em detrimento da sua mera concordancia a uma lei anterior, como queria Kelsen; ou com o ato de uma autoridade pública, como queria Ross.
Os bens humanos básicos, no mesmo sentido, ainda sáo a fonte de reconhecimento de direitos fundamentais. De acordo com o pensamento de Alexy, os direitos fundamentais sáo a base do Estado de Direito e devem ser devidamente interpretados a partir de um longo processo argumentativo que se inicia na criacáo da lei e termina na sua interpretacáo dada pela corte constitucional. Portanto, os bens humanos básicos assumem um papel relevante, igualmente, do ponto de vista argumentativo. Os fenómenos linguísticos, dos quais o direito faz parte, dáo vazáo a um processo bastante elaborado de adequacáo entre os direitos fundamentais e o justo, considerando-se injusto tudo aquilo que afete negativamente um direito fundamental a ponto de tornálo inexequível. Esta inexequibilidade segue de acordo com a preocupacáo de Finnis em preservar o bem comum de maneira a considerar que o seu rol de bens humanos básicos náo é estanque.
Da mesma forma que os direitos fundamentais, os bens humanos básicos estáo arrolados de forma exemplificativa, sendo a sua cumula-tividade uma garantia de sustentabilidade da arquitetura jurídica es-bocada por Finnis. O sistema piramidal de Kelsen, em cujo ápice estáo as normas constitucionais, sem haver a necessidade de que os direitos fundamentais estejam ali contidos, náo tem a preocupacáo com um direito válido. A sua vigencia, por si só, já basta. Para Finnis, a vigencia do direito náo é suficiente. A sua validade é um requisito essencial para que se tenha uma lei humana forte. É daí que se extrai a ideia de que a autoridade da lei humana náo pode estar albergada em outro lugar que náo no direito natural. Caso contrário, ou seja, a lei humana, escrita por um legislador eleito pelo voto direto, secreto, universal e periódico, náo teria legitimidade, sendo, de origem, injusta.
As exigencias de justica, equidade e moralidade, presentes no liberalismo, requerem que o processo de criacáo de uma lei atenda a requisitos de validade. Náo causa surpresa que em alguns momentos, a proposta de Hart de uma regra de reconhecimento de fundamental, aproximese daquilo que Finnis deseja como teste elementar para a validade do direito, já que este deve ter como presente um standard fundamental, o qual, no caso proposto por Finnis, é o direito natural. Para que náo exista qualquer forma de confusáo, em Hart, temse presente uma re-gra de reconhecimento que pode ser provida de qualquer espécie de conteúdo, a exemplo da Grundnorm de Kelsen, pois, aparentemente, a preocupacáo de Hart náo foi com o conteúdo a ser testado e sim com a forma da norma jurídica; ou seja, se estava de acordo, ou náo, com aquilo que se entendia como juridicamente correto para se chamar de "norma jurídica".
Finnis, logo, destaca que apenas o direito natural é capaz de servir de modelo para um direito válido, pois o seu exemplo de direito náo admite outra forma de preenchimento a náo ser pelo direito natural. Em sentido contrário, náo haveria, p. ex., a insistencia do autor em apresentar os seus padróes de racionalidade prática, explicar que os bens humanos básicos sáo fruto de uma construgao jurídica que nao se esgota em si mesma, ou, em outras palavras, que os bens humanos básicos sáo cumulativos. Se hoje há a presenca de 9 (nove) bens humanos básicos conhecidos, pode-se afirmar, com toda a seguranca, que estes podem se desdobrar em um número infinito de outros bens. Náo obstante, Finnis fez uso de um "freio", de um verdadeiro imperativo a forma de como o direito tem a sua autoridade fixada num determinado parámetro estabelecido pelo autor, á criacáo, enunciacáo ou analogia aos bens humanos básicos: o bem comum.
In fine, se o modelo de Hart, que náo foi tratado neste paper, mas que serve como um exemplo adequado para a compreensáo do problema proposto, adotasse, a partir de sua regra de reconhecimento, o direito natural como único meio de considerar as demais regras como válidas, haveria uma grande aproximacáo desse modelo de reconhecimento de regras com o que é proposto por Finnis, pois, como é cedico, a elabo-racáo de uma lei deve atender a requisitos de ordem material, formal e circunstancial. Sendo o direito natural o elemento material a ser res-peitado, todas as normas jurídicas inseridas seriam, desde já, válidas, e os testes normativos somente seriam necessários para corroborar a tese de que, para que exista a protecáo do bem comum, a autoridade da lei criada pelo homem está no direito natural.
*Investigación con el apoyo institucional de la CAPES, vinculada al Ministerio de la Educación y Cultura de Brasil.
1Finnis logra éxito em relacáo a Autores contemporáneos, como Ferrajoli e Dworkin, já que propóe uma teoria do Direito que náo apenas foge á falacia naturalista, bem como que tem como fulcro a fundamentacáo do Direito enquanto validade, náo distinguindo vigencia de validade, como quer Ferrajoli, ou considerando-as como sinónimas, como propos Kelsen. Luigi Ferrajoli, ao contrario de Finnis e Dworkin, apresenta uma Teoria do Garantismo Jurídico em que há a completa separacáo entre Direito e Moral. As exigencias de justica, equidade e moralidade, por-tanto, náo estáo presentes no pensamento de Ferrajoli. Por outro lado, Ferrajoli tem a pretensáo de afastar o seu pensamento da nocáo de uma norma jurídica depurada como queria Kelsen.
2 O Positivismo Jurídico, cf. desenvolvido posteriormente a Kelsen recai numa aporia que lhe é cara até o presente, é dizer que mesmo diante de normas descritivas bastante extensas, náo se logra sucesso em abranger a todos os casos concretos.
3 No presente trabalho usar-se-á a segunda edicáo da obra, em sua versáo publicada em 2011. Todas as citacóes presentes na obra seráo traduzidas livremente pelo autor ao vernáculo.
4 O significado de Natural para Finnis diz respeito á razoabilidade prática do Direito.
5 O manuscrito original foi publicado em 1965, portanto 15 (quinze) anos antes da publicacáo deNatural Law and Natural Rights.
6 Creonte estava no comando de Tebas, pois na noite anterior á Tragédia Antígona, Etéocles e Polinices, filhos de Édipo e Jocasta, irmáos de Ismena e Antígona, haviam praticado o fratricídio após uma longa batalha pelo trono de Tebas, feita pelos dois irmáos, os quais, após a morte de Édipo, haviam definido que o trono seria revezado, ano a ano, entre ambos.
7 Em Ética a Nicdmaco 1134b, Aristóteles assinala que "Sáo naturais as coisas que em todos os lugares tem a mesma forca e náo dependem de as aceitarmos ou náo, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já náo é indiferente".
8 Especificamente neste ponto usa-se a interpretacáo de Alexy em que Normas Jurídicas com-preendem tanto princípios como regras.
9 Um plano coerente de vida é uma exigencia presente no Direito Natural e náo um mero princípio a ser seguido. Sem ele náo se poderá chegar ao florescimento humano.
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