Revista Pensamiento y Gestión

ISSN electrónico 2145-941X
ISSN impreso 1657-6276
Numero. 40, enero-junio de 2016
Fecha de recepción: 27 de junio de 2015
Fecha de aceptación: 13 de octubre de 2015
DOI: http://dx.doi.org/10.14482/pege.40.8805


A emergência de ambientes organizacionais virtuais e a produção de subjetividades

La emergência de ambientes organizacionales virtuales y la producción de subjetividades

Rafael Fernandes de Mesquita
rafael.fernandes@ifpi.edu.br

Doutorando em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade de Fortaleza. Mestre e Bacharel em Administração. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí.

Correspondência: Avenida Rio dos Matos S/N. Bairro: Germano. CEP: 64260000 - Piripiri, Piauí - Brasil.

Fátima Regina Ney Matos
fneymatos@ua.pt

Doutorado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco/Brasil e atual estágio pós-doutoral na Universidade de Aveiro/Portugal. Mestre em Administração e Bacharel em Psicologia.

Marina Dantas de Figueiredo
marina.dantas@unifor.br

Doutora e Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGA/EA/UFRGS, Bacharel em Administração pela Universidade de Pernambuco. Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade de Fortaleza.


Resumen

Contemporaneamente, cada indivíduo reinventa seus modos de se relacionar e, com isso, sua subjetividade e significação. A mobilidade física, a velocidade da propagação de informações e a transitoriedade do elo entre os emissores e receptores de informação reconfiguram o mercado e seus agentes são impulsionados a se adequarem a esse novo contexto. A problemática deste estudo reside na investigação da emergência de novos ambientes que redefinem relações sociais. Assim, foi realizado um estudo qualitativo de inspirações etnográficas, apoiado em observações virtuais de falas de mulheres internautas, com a intenção de demonstrar a influência do acesso diário a blogs de opinião na percepção destes espaços como empresas com finalidade lucrativa e intenções diretivas. A partir da análise do discurso dos dados obtidos nas observações, constatase que os desígnios que deveriam orientar a emissão de opinião em blogs são reorientados por intenções mercadológicas.

Palavras chave: Organizações virtuais, Subjetividades, Virtualização.


Resumen

Contemporáneamente, cada individuo reinventa sus modos de relacionarse y su subjetividad y significación. La movilidad física, la velocidad de la propagación de informaciones y la transitoriedad del eslabón entre los emisores y receptores de informaciones reconfiguran el mercado y sus agentes son impulsados a una adecuación. La problemática reside en investigación de la emergencia de nuevos ambientes que redefinen relaciones sociales. Fue hecho un estudio cualitativo de inspiraciones etnográficas, apoyado en observaciones virtuales de las hablas hechas con mujeres internautas. La intención ha sido demonstrar la influencia del acceso diario a blogs de opinión en la percepción de estos espacios como empresas con finalidad lucrativa e intenciones directivas. A partir del análisis del discurso de los datos obtenidos en las observaciones se ha constatado que los designios que deberían orientar la emisión de opinión en los blogs son reorientados por intenciones mercadológicas.

Palabras clave: Organizaciones Virtuales, Subjetividades, Virtualización.


1. INTRODUÇÃO

A informatização das relações de trabalho, advinda da constante evolução tecnológica dos meios de comunicação, proporcionou mudanças consideráveis nas relações sociais e nas formas de produção da subjetividade das pessoas que se encontram inseridas neste contexto (JOSGRILBERG, 2012; LÉVY, 2009). As formas contemporâneas das atividades organizacionais ultrapassam os limites geográficos e adentram espaços sem lugares que alteram a cronologia das relações que não são mais uniformes (CADOZ, 1997).

Hodiernamente, cada sujeito reinventa seus modos de se relacionar e, com isso, sua subjetividade e significação (GONZÁLEZ REY, 2012). A mobilidade física, a velocidade da propagação de informações e a transitoriedade do elo entre os emissores e receptores de informação reconfiguram o mercado e seus agentes são impulsionados a se adequarem a esse novo contexto (CADOZ, 1997). Emergem, ainda nestas condições, situações de reprodução e crítica da lógica consumista, evidenciada por Lipovetsky (2004), em que forças econômicas impulsionam o relacionamento entre pessoas em seus ambientes sociais.

A problemática deste estudo reside na investigação da emergência de novas ambiências organizacionais desassociadas de seus espaços físicos, os não-lugares que redefinem as relações sociais entre consumidores e organizações (AUGÉ, 2010). Este é um estudo qualitativo de inspirações etnográficas - enquanto o pesquisador mantevese online na comunidade de frequentadoras de fashion blogs durante os meses de julho de 2013 a janeiro de 2014 - apoiado na realização de entrevistas em profundidade com mulheres internautas; ao que se pretende evidenciar a influência do acesso diário a blogs de opinião - aqui considerados organizações sociais virtuais - na percepção destes espaços como empresas com finalidade lucrativa e intenções diretivas para aquelas pessoas que os visitam.

A partir da análise do discurso dos dados obtidos nas observações virtuais registradas em diários de campo e nas falas das frequentadoras assíduas destes sítios, constatase que os desígnios que deveriam orientar a emissão de opinião em blogs, diários virtuais, são reorientados por intenções mercadológicas e o patrocínio direciona a opinião dos emitentes, bem como tenta conduzir suas leitoras a escolhas não fundamentadas no uso de um produto, mas no status proporcionado pela marca e no valor recebido para divulgação. O relacionamento entre leitoras e autoras de blogs é permeado por dúvidas quanto à veracidade das informações e à confiança, pois as frequentadoras se sentem afetivamente próximas daquelas que seguem, mas não creditam valor às suas opiniões quando percebem a publicidade velada.

Este trabalho se subdivide, além desta parte introdutória, em uma seção destinada a caracterizar teoricamente o espaço dos blogs e fashion blogs, bem como situar um direcionamento de características de gênero destes ambientes virtuais. Ainda incipiente, uma problematização dessas páginas considerando as como organização está inserida nesta seção. A seguir, expõese o percurso metodológico deste trabalho empírico e, posteriormente, as análises realizadas a partir dos dados obtidos. Ao final, são apresentadas as conclusões advindas e a lista de referências utilizadas.

2. 1 O (CIBER)ESPAÇO DOS BLOGS

Partindo de pressupostos apontados por Lévy (2009), entendese que a virtualização vem ultrapassar os limites da informatização - sendo que esta última, por usa vez, apoia as novas modalidades de relacionamentos à distância e do "nós", enquanto comunidade. Os novos espaços, compostos por ambientes virtuais de interação, tais como redes sociais - facebook, twitter, skype, instagram, dentre outros -, constituem comunidades com características específicas, formadas por grupos de pessoas com interesses comuns e que não necessitam estar em uma mesma localidade geográfica, ou mesmo ter sua identidade revelada, "cada indivíduo pode estar com todos os outros sem lá estar corporalmente" (CADOZ, 1997, p. 87).

Contudo, em que espaço essas comunidades virtuais se constituem? O que as torna comunidades? Para Josgrilberg (2012), esse espaço seria, metaforicamente, um lócus digital em que há indissociabilidade entre objetos técnicos e ações humanas, lugar como qualquer outro, enquanto Cadoz (1997) o caracteriza como uma imersão na imagem, em que se percorrem espaços sem lugares, na companhia de pessoas distantes, mas comabsoluta convicção de sua realidade. Para Augé (2010) seriam não-lugares, espaços constitutivos da supermodernidade com caráter de transitoriedade, passagem. Nas palavras de Lévy (2009, p. 20): "Seus membros estão reunidos pelos mesmos núcleos de interesses, pelos mesmos problemas: a geografia, contingente, não é mais nem um ponto de partida, nem uma coerção" e, tal como os grupos de pessoas que se relacionam em um ambiente diferente do virtual, nesse espaço podem configurarse uma comunidade a qual, "apesar de 'não-presente', está repleta de paixões e de projetos, de conflitos e de amizades" (LÉVY, 2009, p. 20).

O virtual e o real são entrelaçados nos espaços hodiernos e, assim, emergem outras questões: será que o ambiente de interação entre pessoas por meio de uma máquina conectada à rede é real? Ou seria esse contato, em um mundo não físico, característico de um ambiente que não é real? Para estas questões Lévy (2009) sugere que o virtual não se opõe ao real, mas ao atual. O virtual está em potência, algo que pode ser atualizado a partir da execução de um software, do uso de um computador. Assim, ele toma forma a partir da atualização; ao passo que o real subsiste, é substância. Cadoz (1997) aborda esta problemática de forma semelhante à medida que afirma que a usual oposição entre virtual e real tornariam absurda a expressão "realidade virtual" e, assim, virtualidade ou realidade - de um objeto - seriam termos mais facilmente empregados em sentidos opostos, tais como a oposição entre fenômenos físicos e cognitivos.

A virtualização seria a transformação do atual em um problema, algo que deveria ser solucionado por meio de circunstâncias, tais como a atualização descrita no exemplo do computador, com o uso de instrumentos capazes de solucionar este óbice. Para melhor compreensão, Lévy (2009) utiliza dois exemplos: (i) a semente que é a virtualização de uma árvore e que, assim, depende de alguns requisitos para que se torne esse ser maior e mais robusto: processo de atualização, e (ii) a virtualização de uma empresa, que redistribui suas coordenadas espaço-temporais e se torna acessível em diversos espaços: processo inverso à atualização. Cadoz (1997) complementa estes aspectos e apresenta outra situação similar sem a necessidade ou uso de equipamentos de informática, pois mesmo na era paleolítica, as representações da realidade social já eram passíveis de virtualização, pois eram traduzidas em imagens: as pinturas rupestres. O computador e outras tecnologias seriam apenas um meio de representação.

Nesta transposição de aspectos entre o que é atual e o que é virtual, as narrativas também são modificadas e, consoante Lévy (2009), há uma unidade de tempo sem a necessidade de unidade de lugar: o contato pode ser simultâneo entre pessoas que estão distantes entre si e há uma continuidade de ações apesar de sua duração descontínua. A comunicação, por exemplo, pode ser efetivada por troca de e-mails sem a necessidade de que a resposta seja tão logo apresentada; nada disso impede a sua existência ou que a coloque no campo do imaginário. Pensado assim, o virtual existe. Similarmente acontece com uma lâmpada elétrica: somente um operador pode apertar ou não o interruptor e decidir se ela permanecerá acesa ou apagada, mesmo que não tenha conhecimento dos circuitos elétricos de que estes objetos dependem para seu funcionamento. Este processo é análogo à realidade virtual, em que um usuário decide quais endereços eletrônicos visitar e quanto tempo permanecerá em cada um (CADOZ,1997).

Os novos espaços criados pela informatização e potencializados pela virtualização alteram a cronologia das relações que não são mais uniformes. Cada pessoa reinventa seus modos de relacionarse e, com isso, sua subjetividade e significação: "cada novo sistema de comunicação e transporte modifica o sistema das proximidades práticas, isto é, o espaço pertinente para as comunidades humanas" (LÉVY, 2009, p. 22). Além disso, a modificação que impõem as pessoas não ocorre da mesma forma para todos, ela "não se dá de maneira isolada da percepção de outros seres ou da cultura em que se está inserida" (JOSGRILBERG, 2012, p. 17). Apesar de que, para aqueles que não estão absortos neste novo mundo, ou que ainda não se habituaram a fazer uso dele, "para os que andam de trem, as antigas distâncias ainda são válidas" (LÉVY, 2009, p. 22).

A supermodernidade, salientada por Augé (2010, p. 36-37), dispõe desse contexto de evolução tecnológica para se caracterizar, sua modalidade essencial é o excesso, especialmente o excesso de espaço, de informações, de meios e dos não-lugares, espaços transitórios, "instalações necessárias à circulação adequada de pessoas e bens"; "os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda campos de trânsito prolongado", ou mesmo a própria ambiência virtual - que o autor não aponta, mas que se enquadra em sua definição. Desta forma, "o mundo da supermodernidade não tem as dimensões exatas daquele no qual pensamos viver, pois vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar. Temos que reaprender a pensar o espaço" e a antropologia pós-moderna originarseia da análise da supermodernidade.

No ambiente das organizações, a virtualização está presente e é contemporânea às modificações dos meios de transporte rápido e mobilidade física à medida que há necessidade de adequação de seus espaços a esta constante e, cada vez mais rápida, evolução. O escritório físico se transmuta em um espaço compartilhado virtualmente, não há limites e os lugares e tempos se mixam em um descontínuo desterritorializado (LÉVY, 2009). Cabe então apontar o que Augé (2010) afirma ser um paradoxo entre o encolhimento do planeta e o excesso de espaço. A globalização aproxima as pessoas e a internet possibilita o contato instantâneo ao mesmo tempo em que aumenta as possibilidades de estar em contato com diversos ambientes em um espaço de potencialidades infinitas.

Graças às maquinas fotográficas, às câmeras e aos gravadores, podemos perceber as sensações de outras pessoas, em outro momento e outro lugar. Os sistemas ditos de realidade virtual nos permitem experimentar, além disso, uma integração dinâmica de diferentes modalidades perceptivas. Podemos quase reviver a experiência sensorial completa de outra pessoa (LÉVY, 2009, p. 28).

Para Cadoz (1997), a percepção humana evidencia um objeto e, nessa relação, supõese que, como evidenciado, o que está virtualmente apresentado já é previamente conhecido pelo usuário, são letras, palavras, formas etc. Se não há conhecimento prévio, há associação a algum outro formato similar. Para esse reconhecimento Augé (2010, p. 34) questiona: "Existe algo mais realista e, num certo sentido, mais informativo, sobre a vida nos Estados Unidos do que uma boa série americana?". Reconhecer um objeto desconhecido, uma imagem, um conjunto de evidências, uma figura ou um formato que não se conhece é, para o autor, como estar diante de uma miragem cujo manipulador é difícil de identificar e "cuja silhueta nos é tão habitual quanto aquela dos heróis das novelas ou das estrelas internacionais". São imagens constituídas por estereótipos que são familiares àqueles que os assistem, daí seu fácil reconhecimento.

O texto também é virtual, mas esta não é característica peculiar ou resultante da informatização, ele se torna atual à medida que se traduz em uma versão escrita, impressa, editada e, ao interpretálo, o leitor o atualiza mais uma vez. Enquanto leitor ése um atualizador individual daquilo que se está lendo. Cada um, individualmente, pode interpretar o que lê atribuindo os sentidos e significações mais diversos, mesmo que diferentes da intenção do autor (LÉVY, 2009). Toda realidade virtual está em uma determinada coerência com o ponto de vista do operador, pois ele é quem dá os comandos (CADOZ, 1997).

A escrita separa o autor de sua memória, ou de sua intenção, e busca aproximar aquele que lê, mas essa comunicação frequentemente será descontextualizada e desterritorializada, características elevadas no texto online. Além disso, enquanto lê um livro ou um texto impresso em papel, o leitor tem seu objeto por completo, fisicamente disponível. Em ambientes virtuais, há uma infinidade de possibilidades para a leitura, janelas que podem conectar exploradores aos mais diversificados conteúdos virtualmente disponíveis (LÉVY, 2009).

Nada obstante, mesmo com essas facilidades, o virtual depende da subjetividade humana, pois esta é uma das circunstâncias de sua atualização. Por mais que um texto possua links para outros textos, ou para outros endereços que contenham mais informações, é necessário que haja interesse ou motivos que levem o leitor a se aprofundar naquela imersão. Aqui ele é mais ativo, participa com mais intensidade na interpretação das ideias dos autores, são novos modos de ler e de compreender coletivamente constituídos, pois cada leitura é uma edição e o computador não é apenas mais uma máquina para este fim, mas um instrumento que auxilia esta construção cultural (LÉVY, 2009).

O computador também é constituinte e fonte de acesso a informações, mas não é um centro; é uma parte. Virtual, disperso e desterritorializado, o computador compõe o ciberespaço que mixa em seu contexto as noções de unidade, identidade e localização (LÉVY, 2009). Contudo, a própria máquina pode constituir um lugar na visão de Josgrilberg (2012, p. 19), pois "o lugar é constituído por discursos, imagens ou mesmo estruturas físicas dotadas de valor simbólico que tornam possível a existência de uma sociedade". Enquanto as gírias constituem o lugar de um grupo adolescente, a língua habitada pelo falante; o lugar não é aquele descrito, como somente um espaço físico, mas sim um espaço reconhecido por aqueles que o habitam. Augé (2010, p. 73) complementa: "Falando a mesma linguagem, reconhecem que elas pertencem ao mesmo mundo. O lugar se completa pela fala, a troca alusiva de algumas senhas, na convivência e na intimidade cúmplice dos locutores".

A virtualização do corpo - a sua construção sociocultural complexa e subjetiva - é evidente e derivada da evolução tecnológica. "O organismo é revirado como uma luva" e "o interior passa ao exterior ao mesmo tempo em que permanece dentro" (LÉVY, 2009, p. 30), "uma coincidência espacial rigorosa é estabelecida entre a imagem real (externa) do paciente e a imagem virtual (interna)", especialmente no contexto médico de exames corporais (CADOZ, 1997, p. 26). Neste interstício de virtualização corporal emerge um hipercorpo constituído coletivamente desde fisicamente com o transplante de órgãos entre organismos mortos e vivos, entre espécies distintas, utilizandose de matéria não-viva - tais como lentes de contato, próteses, implantes etc. - até virtualmente, pois, "ao se virtualizar, o corpo se multiplica" (LÉVY, 2009, p. 33), conquista novas velocidades e espaços.

Josgrilberg (2012, p. 17) aponta algumas limitações destas projeções que podem virtualizar o corpo, multiplicálo: "Basta acompanhar uma partida de futebol pela televisão e no estádio; ver imagens de uma atração turística e visitála pessoalmente. Percebese o mundo, fazendo da mídia extensão do corpo, mas com as determinações por ela estabelecidas". O que está em tela é uma projeção de uma lente inicialmente vista por uma pessoa. Quando o público a percebe, já está, pelo menos, duas dimensões aquém da representação física do fenômeno projetado. Focar a projeção em uma direção e transmitila a um público expectador se torna uma interferência subjetiva de interesse próprio; o corpo percebe a imagem, mas a percebe de forma enviesada.

A tela de um computador - aqui se generalizam os demais equipamentos de informáticas projetores de imagens virtuais - é um conjunto de lâmpadas que, em uma dança contínua e organizada de pixels, refletem imagens extremamente ricas em informação visual com formas e volumes, muitas cores, sombras e luzes, reflexos e texturas (CADOZ, 1997). Esta não é sua única função e resumila desta forma seria desconsiderar todos os aspectos subjetivos que derivam da relação entre o ser humano, a máquina e outros seres humanos. A profusão de lâmpadas e a iluminação modificam a realidade humana, há uma interferência subjetiva, "a realidade só nos é acessível por sua representação, mas a realidade de uma representação não é sempre representação da realidade" (CADOZ, 1997, p. 59).

Enquanto descreve o movimento humano em uma realidade virtual ficcional e possibilita por meio da utilização de exoesqueletos conectados ao corpo humano, Cadoz (1997, p. 30) afirma que "essa evolução, interligada à sensação que temos de nossos membros e de nossos músculos em ação, dá ao nosso cérebro todos os elementos necessários à construção do conhecimento de um meio estável no qual nós estamos andando". Essa cognição possibilita a convicção de uma realidade que é virtual, uma representação de movimentos que, em planos físicos, seriam naturalmente possíveis de execução.

O corpo percebe o mundo e transforma essas percepções em sentidos, significados, que são inerentes à subjetividade humana, individual e repleta de influências conforme ela esteja inserida em uma cultura e contexto diversos; o que determina o modo como toda a gênese da significação irá ocorrer, além da linguagem humana ser uma das expressões do corpo e a cultura um sedimento composto das mais variadas expressões (JOSGRIL-BERG, 2012). As tecnologias adentram este campo de sentidos enquanto compõem um arsenal de objetos que auxiliam a concepção individual, abrem possibilidades para universos que, fisicamente e no momento, não estariam disponíveis para visualização. O objeto técnico é, então, percebido e instrumento preceptor da realidade.

Blogs Femininos

Além de se constituírem espaço, os blogs podem ser ambientes somente femininos? Não há exclusão masculina de acesso e participação neles ou em outros sítios eletrônicos virtualmente apresentados. O que determina o reconhecimento, ou pertencimento, nesses espaços virtuais pode ser seu conteúdo direcionado a um público de interesses comuns que, ao visualizar a página, as fotografias, os textos, se identificam e permanecem naquele local para conviver com outras pessoas e interferir em suas realidades.

Neste mesmo sentido, colocase a experiência vivida por Wacquant (2002, p. 69) enquanto frequentava uma academia de boxe e aprendia a conviver com as regras tácitas do pugilismo. Segundo ele, "o boxe é para os homens, sobre os homens, ele é os homens. Homens que lutam com homens para determinar seu valor, isto é, sua masculinidade, excluindo as mulheres". E continua afirmando que, apesar de não haver barreiras formais à sua participação, as mulheres representariam uma ameaça simbólica ao universo do pugilista. Neste caso, não seria somente uma questão de compartilhar interesses comuns, mas a comunidade autolimitava a participação de membros por uma questão sexual dicotômica.

Os blogs femininos são feitos por blogueiras mulheres que consomem produtos que incluem peças de vestuário, cosméticos, tratamentos estéticos, perfumes e outros mais que são destinados à parcela da população que se afirma mulher ou que compartilha dos interesses do universo feminino (TAVERNARI; MURAKAMI, 2012). As próprias imagens veiculadas nesses meios ou as palavras que os evocam os tornam frequentados majoritariamente por mulheres, tal como afirma Augé (2010, p. 97-98), à medida que "elas esboçam um mundo de consumo que todo indivíduo pode fazer seu porque é nele incessantemente interpelado". São novas formas de tentações do narcisismo, ao produzir efeitos de reconhecimento, em "fazer como os outros para ser você mesmo".

Os excessos descritos por Augé (2010) que caracterizam a época da supermodernidade também adentram o campo da moda e das suas relações com o social. A moda reflete os significados atribuídos aos artefatos

(CRAME, 2006) como uma forma de redefinição da subjetividade. O conhecer e o reconhecerse tornam parte de um grande construto no qual diversos indivíduos e instituições apresentam influências. O mercado e o consumo sofrem essas interferências e a virtualização se mostra também presente neste contexto. Tornase uma relação simbiótica entre tecnologia e mercado e, assim, informação e conhecimento são a principal fonte de riqueza (LÉVY, 2009). Porém, a informação não cessa em seu uso, o conhecimento não é destruído e não tem caráter privativo de posse enquanto um indivíduo que o tem o vende para o outro que não o possuía. Ambos podem tê-lo simultaneamente. Informação e conhecimentos são desterritorializados enquanto transitam nessa relação comercial.

Nesta ambiência online emerge um novo mercado em que os papéis dos seus atores são modificados. Não há limites geográficos para suas transações, as ofertas se multiplicam e os consumidores têm, à sua disposição, diversas opções facilmente acessíveis. É como retornar aos modos de produção artesanal, em que os objetos eram fabricados de acordo com as informações repassadas pelos próprios clientes, "o consumidor não apenas se torna coprodutor da informação que consume, mas é também produtor cooperativo dos 'mundos virtuais' nos quais evolui" (LÉVY, 2009, p. 63). Em igual sentido, os meios clássicos de divulgação de informação se tornam menos usuais por possibilitarem menos interatividade, tais como as revistas, os jornais e a televisão, enquanto abrem espaços para outros instrumentos, tais como os blogs e as redes sociais virtuais.

Os blogs, análogos aos diários escritos, com similaridades que hoje se resumem à escrita diária (ou não) de conteúdos variados de interesse de sua autora, são veículos públicos para a exposição de si (BEDÊ, 2010). A natureza confessional dos blogs delimita uma tênue linha entre o que é público e o que é privado e o alto índice de acesso a esses sítios eletrônicos pode ser atribuído às notas divulgadas nesses espaços, pois elas aparentemente possuem menor interferência parcial que os meios de comunicação de massa que respondem a interesses diversos (MILLER; SHEPHERD, 2004). Para os autores, essa configuração social facilita a emergência de duas figuras potenciais: o voyeur e o exibicionista - ao passo que um indivíduo pode ser ambos - aquele que tem apreço por observar a vida particular de outrem e aquele que gosta de exibir sua própria história.

Espaços que congregam indivíduos em busca de comunicação com aqueles que se reconhecem por uma linguagem específica característica da cultura na qual se insere o lócus digital que possibilita relações sociais e a construção de uma intersubjetividade em um mundo que é afirmado enquanto é percebido e "seria uma grande ingenuidade desprezar a força de certos significados em uma sociedade" (JOSGRILBERG, 2012, p. 18). Mesmo que não entre no caso específico dos blogs femininos, o autor afirma que a moda anunciada pela mídia "impõe necessidades de se manter atualizado, permanentemente conectado, e até mesmo constrói referências de status social" (JOSGRILBERG, 2012, p. 18), mesmo em ambientes virtuais.

Virtual porque sua reprodução, sua cópia, não custam praticamente nada, salvo o custo geral de manutenção do ciberespaço. Virtual porque posso dar um documento sem perdêlo e reempregar partes dele sem destruir o original. No ciberespaço, o documento tornase tão impalpável e virtual quanto as informações e as próprias ideias (LÉVY, 2009, p. 67).

Os blogs femininos, às vezes intitulados fashion blogs em seus próprios ambientes, são instituições abertas no ciberespaço para expor as ideias de seus criadores que se encaixam nesta descrição de Lévy (2009), pois há a possibilidade de comunicarem a numerosas consumidoras com o mesmo custo que para um só. As blogueiras podem reproduzir imagens de outros sítios eletrônicos textos que já foram utilizados, ou trechos de reportagens, sem a preocupação com a reprodução impressa, com a distribuição logística, ou até mesmo com o aumento efetivo de custo financeiro que esta modificação proporcionaria. O consumo de informação e sua propagação são gratuitos ao consumidor e ao blog que os repassa, a não ser pelo custo de manutenção do endereço virtual.

A abstração desse espaço é preocupação de Augé (2010, p. 78), pois diz que essas novas formas de consumo e a supermodernidade constituem espaços que convidam os consumidores a se contentarem apenas com palavras. As expressões "espaços publicitários", "espaço judiciário", "espaço aéreo", bem como outras, pouco correspondem a aspectos físicos de presença, mas são termos que povoam a contemporaneidade; os não-lugares da supermodernidade. São lugares, às vezes imaginários, que tomam forma a partir das palavras que os evocam.

Como já afirmado, além de aspectos de estruturação do espaço virtual, há uma mudança emergente de cultura do consumo feminino, uma relação de poder em que "analisar, divulgar e criticar questões ligadas à moda e beleza na mídia cabia às revistas especializadas, representadas por alguns poucos editores de moda, que acabavam por apresentar um ponto de vista hegemônico, unilateral e culturalmente dominante sobre tais assuntos" (TAVERNARI; MURAKAMI, 2012, p. 87). Essa mudança passa a se dar a partir da virada do milênio no ano 2000, em que a internet possibilitou que qualquer indivíduo pudesse ser espectador, comentarista e consumidor dos mais diversos produtos e serviços, o quais vêm ganhando legitimidade no contexto da moda com a figura das blogueiras (STEFANIC, 2010).

A rapidez de acesso às informações também pode ser um aspecto fundamental neste processo de consumo de moda. Enquanto revistas e outros meios dependem de tempo para editoração, publicação e distribuição de seus exemplares físicos, esses sites com suas blogueiras frequentam os mais diversificados ambientes e "o blog, além de um meio de comunicação, tornou-se uma poderosa ferramenta mercadológica, em que grandes marcas e estilistas enxergaram um termômetro de popularidade e uma nova - e até então mais barata - forma de publicidade" (TAVERNARI; MURAKAMI, 2012, p. 88). Contudo, nem sempre a história dos blogs pôde ser contada por essas palavras e, por isso, tornase necessário aclarar seu processo de constituição desde o surgimento dos primeiros veículos virtuais intitulados "blogs".

Durante os primeiros anos da World Wide Web (ou apenas web), na década de 1990, as páginas virtuais eram estáticas e editadas unilateralmente por uma pessoa ou grupo de pessoas e, a partir dos anos 2000, como fenômeno que ficou conhecido por Web 2.0, esses sites possibilitaram interação e participação dos internautas em sua construção (ZAGO, 2010). Blood (2000) afirma que este acontecimento possibilitou um crescente interesse das pessoas em publicarem seus relatos e opiniões sobre os mais diversificados temas, o que foi impulsionado por uma lista de "weblogs" - termo posteriormente encurtado -, compilada por Jesse James Garret. Esta lista possuía, no ano de 1999, 23 indicações de sites semelhantes e era possível acompanhálos enquanto diariamente surgia conteúdo novo.

Uma comunidade interessada nessas publicações emergia e crescia em números à medida que as pessoas começavam a publicar seus próprios blogs e ampliavam a rede de relacionamento entre blogueiras(os) e internautas enquanto alguns representavam os dois papéis (BLOOD, 2000). Tornavase complicado acompanhar todos os blogs da lista que aumentava a cada dia e o seu próprio idealizador passou a incluir apenas aqueles que ele realmente seguia. Outros blogueiros fizeram o mesmo. Algumas empresas lançaram ferramentas simplificadas e serviços gratuitos para que outras pessoas pudessem construir seus blogs, o que facilitou em demasia a expansão desse fenômeno (ZAGO, 2010). Blood (2000) salienta que os frequentadores desses espaços eram pessoas que se diferenciavam dos usuários comuns da web, pois poderiam escapar da informação estática e divulgada conforme orientavam os órgãos de mídia da época. Não eram uma audiência (passiva), mas um público (ativo) que participava, comentava e interagia com a figura de um blogger (blogueira ou blogueiro) que, por vezes, o conheciam. A esta época não era a vida pessoal desta figura que interessava ao público (ZAGO, 2010).

Com as mudanças conduzidas pelo aumento do número de participantes, a aproximação entre bloggers se transformou na criação de diversas comunidades menores de interesses temáticos. A experiência de Rebecca Blood (2000), com suas conclusões já citadas em parágrafos anteriores, durante esta época enquanto leitora e blogueira, evidencia a relevância dos blogs no contexto da produção de sentidos. Ela afirma que não conhecia algumas das suas motivações quando passou a considerar as injustiças sociais, a ciência e a arqueologia como assuntos de seu encanto. Ao compartilhar a sua história e ler as de outras pessoas, este grupo social se aproxima ou se afasta. Aqueles que se coadunam tendem a fortalecer seus laços e o blogger que escreve todos os dias com o apoio de diversos seguidores passa a ser um escritor confiante de sua voz, tornao uma autoridade. Blood (2000) se mostra preocupada com a situação e alerta que esta transição pode alterar os sentidos originais da criação dos weblogs, pois os espaços que deveriam ser participativos e incentivadores da avaliação crítica podem se tornar novamente estáticos e submissos aos controles corporativos.

Os blogs enquanto organizações

Para a administração de empresas, os blogs já são bastante conhecidos enquanto ferramenta de apoio à comunicação. Nesse sentido, Terra (2008) os introduz como um meio digital que permite uma conversa bilateral de caráter predominantemente informal que pode ser explorada como um canal para o relacionamento mais próximo com o cliente. Para Tassigny et al. (2012), os blogs são um tipo de avanço tecnológico que possibilita reciclar as formas de comunicação interna com os colaboradores e externa com os clientes. Ambos os autores convergem na caracterização desses suportes textuais como instrumentos para a comunicação organizacional.

Assim, os blogs proporcionam espaços privilegiados para as empresas divulgarem suas ações como grandes difusores de informações (TASSIGNY et al., 2012) de baixo custo de implementação e fácil utilização (TERRA, 2008). Além de uma ferramenta de comunicação, o estudo de Schweig et al. (2009) apresentou outra dimensão dos blogs no mundo corporativo: as blogueiras e as leitoras como referência de consumo. Enquanto demonstravam o uso de produtos que compravam ou ganhavam de marcas que patrocinavam seus espaços virtuais, elas atraiam consumidoras que creditavam confiança às suas resenhas e indicações adquirindo os produtos apresentados.

As próprias leitoras comentavam - em espaço aberto e destinado a essa atividade - e se tornavam também referência de consumo. A esse fenômeno Schweig et al. (2009) atribuem a credibilidade que as leitoras têm por serem, aparentemente, imparciais em relação aos produtos divulgados. Imparcialidade também conferida à blogueira que, por não obter ganhos financeiros com a divulgação dos produtos e manterse fiel à sua real opinião sobre eles, conquista seguidoras habituais. A informação aqui é a fonte de acessos e o modo de produção é determinante na confiança imputada.

O grande volume de informações produzidas diariamente advindas do domínio da informática e tecnologias associadas, com consequente produção de bens imateriais, é uma das características da sociedade pós-moderna (SIQUEIRA; SPERS, 2001). Esse amplo fluxo de informações demanda o desenvolvimento de novos modos de gestão e de novas formas de organização para amparar a utilização dessas informações em favor do seu desempenho (MUNIZ; CARVALHO, 2013). Os blogs emergiram nesse contexto com outras finalidades similares às do diário escrito (BEDÊ, 2010), mas se tornaram importantes ferramentas administrativas, conforme já mencionado. Contudo, como eles, em especial os blogs femininos, estão configurados no cenário contemporâneo da sociedade?

Medeiros e Valadão Júnior (2011, p. 82) afirmam que as organizações, em uma perspectiva pós-moderna "constituemse num emaranhado de narrativas locais, que emergem revelando o processo de construção da cultura organizacional". Essas narrativas têm a função de promoção ou de compreensão das mudanças organizacionais que se tornam a emergência de outras configurações da realidade. Ao apreender que as organizações são culturas, aduzse que os blogs se instituem como organizações enquanto conjunto complexo dessas mesmas narrativas que os autores apontam. A emergência da cultura deles advinda já foi vislumbrada em alguns estudos (STEFANIC, 2010; TAVERNARI; MURAKAMI, 2012) como uma reconfiguração da realidade social, principalmente, das mídias de moda e beleza. Contudo, a profissionalização da blogueira e o blog como um espaço organizacional permanecem construtos em desenvolvimento.

Outras pesquisas recentes apontam características de interesse da área de administração na investigação desses espaços apesar de não identificálos como organizações. Hu et al. (2013) analisaram a visibilidade de empresas em blogs e perceberam que este tipo de mídia é diferente da tradicional e provoca alguns efeitos nas organizações. A visão dos autores é direcionada ao blog como um tipo de mídia informativa. Aggarwal e Singh (2013) avaliaram as diferentes influências que a geração de conteúdo online apresenta na tomada de decisão de investimentos. No mesmo sentido, Chau e Xu (2012) os apontam como geradores de informação, mas apresentam as relações com caráter de comunidade que se estabelecem entre blogueiros com seus leitores e entre si mesmos.

A seguir, propõese um percurso metodológico para compreender a constituição desses espaços virtuais como novas formas de organização e as subjetividades femininas produzidas no contexto do acesso diário a estes ambientes.

3. METODOLOGIA

Apreender ou elucidar os fenômenos complexos derivados das relações humanas e, por conseguinte, sociais é uma tarefa que exige bastante do pesquisador - característica fundamental da pesquisa qualitativa -, pois, tal como afirma Goldenberg (2004, p. 53), "os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos" e para Denzin e Lincoln (2006, p. 17), nesta abordagem metodológica, devese "estudar as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos de significados que as pessoas a eles conferem". Assim, a imersão em campo e o convívio com os indivíduos investigados, dentro da sua comunidade, tornamse fundamentais para a compreensão dos significados e sentidos que dão àquilo que observam no cenário virtual dos blogs de moda.

O convívio com uma cultura investigada, uma comunidade diversa ou externa àquela do pesquisador, teve seu marco histórico com o clássico estudo de Malinowski (1978), publicado inicialmente em 1922, com os primeiros trabalhos etnográficos em uma abordagem de viver como vivem os indivíduos (GEERTZ, 1997), além de ter o instrumental da observação participante associado ao seu trabalho (CAVEDON, 2003). Partindose do questionamento proposto por Augé (2010, p. 16), será que "os modos de circulação específicos do mundo contemporâneo são passíveis de um olhar antropológico"? O autor chama à atenção a um ponto divergente do pensamento de Geertz (1997): não é a antropologia que se cansou de campos exóticos, ou que eles se esgotaram, mas a contemporaneidade que evoca o olhar antropológico a outros campos e, mais especificamente, mesmo aos não-lugares enquanto se mixam e se interpenetram aos lugares, ao que ele denomina de antropologia da contemporaneidade próxima.

Nesse sentido, os ambientes virtuais podem condicionar a produção de subjetividades e são passíveis de análise social. Assim, o estudo se aproxima das características da pesquisa etnográfica pela intenção de investigar aspectos da cultura feminina de leitoras de blogs de moda e por meio do convívio diário compartilhando o mesmo ambiente virtual, buscandose analisar a constituição destes espaços enquanto organizações de cunho empresarial. Dentre as técnicas de coleta de dados utilizadas estão a observação direta participante e não participante (PATTON, 2002). A participação ocorria quando o pesquisador interagia com as leitoras nos espaços virtuais e a não participante quando isso não acontecia.

O acesso a blogs femininos, com anotações das observações, teve início no mês de julho de 2013 apesar de o contato do pesquisador com esse ambiente de leitura virtual ter iniciado bem antes deste período de modo não sistemático e como uma forma de entretenimento particular. O contato com interesses de coleta de material para análise durou sete meses, entre julho de 2013 e janeiro de 2014, e serviu de base para categorizar os tópicos a serem abordados em entrevistas e os temas que eram discutidos recorrentemente, bem como para compor um diário de campo em que algumas das postagens das blogueiras e os comentários de leitoras foram copiados e posteriormente analisados. Essas categorias são relacionadas ao debate da feminilidade contemporânea, o ser mulher e à constituição do blog como um espaço organizacional com características que o definem como uma empresa.

No período em que foram realizadas as observações, além das postagens das autoras, também foram observados os comentários a esses textos. Esse espaço para comentários é editado em todos os casos analisados e só depois de uma aprovação da blogueira é que eles são abertos ao público. Neste sentido, apenas uma página (Blogueira Shame) aparentemente se diferia das demais avaliadas ("Garotas Estúpidas", "Blog da Thássia", "2Beau-ty", "Dia de Beauté" e "Chata de Galocha") enquanto espaço aberto para críticas, discordâncias, sugestões e maior interação com as leitoras. Nos demais blogs, havia predominância de elogios ou questionamentos aos produtos apresentados pelas autoras. As páginas analisadas foram intencionalmente selecionadas por critérios de interesses do próprio pesquisador no conteúdo destes websites. Esses aspectos direcionaram a pesquisa a determinados grupos de blogs e frequentadoras, o que limita as conclusões por esses mesmos fatores. Os resultados das análises são expostos a seguir.

4. 3 O FORMATO E A ESTRUTURA

ORGANIZACIONAL DOS BLOGS FEMININOS

O formato dos blogs é similar, visualmente colorido e com muitas imagens, tanto de suas idealizadoras como dos produtos que anunciam. O formato é a característica que os torna mais próximos entre si com publicações datadas, com uso do tempo verbal presente e com espaço aberto para comentários de leitoras (MILLER; SHEPHERD, 2004). Usualmente, são diariamente atualizados, mas há períodos em que não apresentam qualquer novidade de conteúdo. Há dias, também, em que não se observa qualquer outro registro além de textos e imagens estritamente comerciais. É quando o blog deixa de ser um diário virtual e se transforma na ferramenta de marketing das empresas em que estas blogueiras e suas páginas se transformam em publicações comerciais repletas de links que direcionam quem as lê a uma infinidade de lojas virtuais.

Como interesse inicial e critério de seleção para as postagens a serem analisadas, buscouse algumas publicações que descaracterizassem esse apelo mercadológico e que trouxessem alguma reflexão da própria blogueira sobre sua feminilidade ou mesmo sobre como definem o ser mulher na contemporaneidade. Não só a constituição do gênero feminino foi analisada, como também outras categorias empíricas emergiram e serão apresentadas em seções seguintes. Além das publicações e dos comentários às postagens, serão trianguladas as falas das leitoras entrevistadas em contraponto ao conteúdo disponível virtualmente, tentando entrelaçar essas diversas vozes femininas.

Ao falar de si e dos seus próprios blogs, as autoras comentam que a criação desse espaço está relacionada às suas vontades de expressar opiniões pessoais, compartilhar novidades com amigas ou um hobby para "suprir a carência feminina e falar de assuntos de mulher em meio a um trabalho cansativo - e machista" (FASHIONISMO, 2014, [grifo da autora]). Elas são unânimes em afirmar que suas páginas foram tomando outras proporções em suas vidas: o que era uma diversão ou um espaço íntimo para compartilhar ideias com amigos se tornou uma ocupação e um trabalho diário. Suas idealizadoras passaram a ser remuneradas pelos seus serviços por meio de, principalmente, anúncios publicitários e participação em eventos. "Ser 'blogueira' tornouse uma rentável e almejada profissão" (TAVERNARI; MURAKAMI, 2012, p. 88). É como se houvesse um contrato implícito entre internautas e blogueiras, pois estas se situam em posição de autoridade de saber ao passo que as demais legitimam suas enunciações, seus discursos produzidos nos espaços virtuais.

Stefanic (2010) atribui a esta transformação o caráter de mudança paradigmática. Essas blogueiras conquistaram um espaço antes reservado apenas a jornalistas e publicitários profissionais ou outras pessoas e instituições que possuem autoridade legitimada para opinar sobre moda e beleza. Revistas e jornais especializados compartilham espaços com esses blogs e suas autoras. Intrínsecas à modificação estão as novas atribuições da blogueira, a qual precisa lidar com tarefas mais burocráticas que as publicações comuns de seu dia a dia. A quantidade de acessos exige uma plataforma online que garanta a conectividade com as leitoras, além da gestão do relacionamento com os anunciantes, com as parcerias e propostas comerciais e com o próprio layout do site.

Constantemente, os blogs atualizam seus layouts: modificam as imagens fixas que dão forma ao site; o tamanho, o formato e cores das letras; os links que direcionam às outras seções; além do tipo de conteúdo que é publicado. Algumas blogueiras esporadicamente propõem novos temas para abordarem e questionam suas leitoras sobre o seu interesse nesses assuntos. É um trabalho diário de autoconstrução. A culinária, os animais de estimação, arquitetura e decoração de ambientes, filmes e seriados de televisão, viagens, programas turísticos e hotéis são alguns dos conteúdos que se distanciam do foco aparente (moda e beleza) dessas páginas, mas que são frequentemente abordados pelas blogueiras.

Todos possuem um espaço destinado aos anunciantes. Ao clicar no link indicado para publicidade ou anúncios, o interessado deve preencher lacunas com seu nome, e-mail, assunto e uma mensagem que justifique seu interesse. Após o recebimento desses dados, a blogueira deve analisar a proposta e, posteriormente, retornar o contato com suas condições de aceite ou não, bem como os valores financeiros para o anúncio publicitário. "Pela divulgação de informações sobre determinado assunto de interesse de várias pessoas, a blogueira afirma sua autoridade como especialista neste assunto, motivado por promover sua popularidade e a do seu blog" (SCHWEIG et al., 2009, p. 3), aspecto este que a torna uma figura que tem a capacidade de influenciar diversas outras mulheres. E as empresas já têm percebido esse poder de atração de clientes potenciais.

Tamanha representação e as atividades das blogueiras garantiram a presença brasileira no ranking divulgado pelo Style99 (STYLE99, 2013), classificação internacional, com 99 posições divulgadas, que considera a influência online de blogs de moda e beleza utilizando dados de redes sociais e ferramentas de pesquisa com pontuação baseada em qualidade de engajamento de leitores em suas redes sociais. Ocupando a 5a posição do ranking está "Garotas Estúpidas" que, dentre os blogs brasileiros, se encontra na posição mais privilegiada. Além dele, o "Super Vaidosa por Camila Coelho" ocupa a 12a e o "Fashionismo" está na 59a. Na está a página "Júlia Petit"; na 63a, "Depois dos 15", enquanto que o "Glam For You" ocupa 75a. As posições 85a, 86a e 87a são, respectivamente, dos blogs "Chata de Galocha", "Just Lia" e "Blog da Mariah". Desses, quatro (em destaque) fizeram parte da amostra selecionada para a análise proposta neste trabalho.

Em uma nota da página "Não Provoque" (2014), sua autora publicou uma breve reflexão sobre a profissão de blogueira e teve sua postagem noticiada em outras, tais como o "2beauty" e o "Chata de Galocha". Tal ponderação cabe ser enunciada, mesmo que não componha o estrato de blogs selecionados para este estudo, pois ela reflete a opinião de uma pessoa inserida no contexto sobre o qual está discutindo: o desenvolvimento de sua própria profissão.

Acho engraçado essa galera que em plena era digital resolve menosprezar quem trabalha com internet, seja com um portal, uma página no Facebook, um blog, um canal no Youtube ou um Instagram bombado. O que antes era uma brincadeira hoje se tornou profissão por sinal muito rentável, quer você queira ou não. O dinheiro que antes era só dos outros meios de comunicação hoje está indo parar onde? Sim, na internet! As empresas estão investindo e vão investir cada vez mais em divulgação online. As plataformas e formatos podem mudar, mas o digital vai permanecer. O fato é que vai permanecer apenas quem é realmente bom no que faz. As marcas adoram as blogueiras, elas divulgam e dão retorno financeiro, então eles investem. Isso é publicidade. Até onde a publicidade é bem vinda nos blogs? Até onde você pode confiar na palavra de uma blogueira? Vai de você. Você confia na televisão? Na revista? Publicidade é sempre publicidade (Nota do blog "Não Provoque" sobre a profissão "blogueira" em 27 de março de 2014).

O recorte do texto permite a visualização de um cenário de críticas de internautas, apesar de não estarem expostas, ao modo de produção que usa o virtual como plataforma de trabalho. Ao que parece, a blogueira se sente confrontada com a opinião e busca justificarse expondo que seu trabalho é rentável, uma nova profissão que está em desdobramentos e que irá se desenvolver mais por usar a internet e o virtual. Para Lévy (2009, p. 64), que corrobora esta ideia de desenvolvimento do trabalho virtual, "o novo ambiente econômico é muito mais favorável aos fornecedores de espaço, aos arquitetos de comunidades virtuais [...] que aos clássicos difusores de conteúdo". A discussão prossegue com questionamentos direcionados ao conteúdo dos anúncios publicitários os quais, para a autora, correspondem ao retorno financeiro do seu esforço em manter seu espaço.

O blog é a imagem da blogueira, mas ela não é a única pessoa envolvida na sua manutenção. A página "Garotas Modernas" apresenta uma equipe de, pelo menos, oito pessoas - informações divulgadas no próprio site - incluindo sua idealizadora, uma psicóloga, uma advogada, algumas jornalistas, uma engenheira de alimentos, uma empresária e uma designer de moda. A equipe publica no espaço, mas cada uma possui um ou mais assuntos de interesse principal e assinam individualmente suas postagens. O blog "Garotas Estúpidas" também já introduziu ao público leitor algumas pessoas que não criadoras da página, tais como a irmã fotógrafa e uma equipe de apoio. Algumas páginas já apontaram estagiárias e divulgaram seleção para preenchimento de vagas de trabalho.

Há uma rede de colaboração implícita entre as blogueiras. Em seus blogs, as autoras divulgam ações de outras, publicam imagens e expõem como se relacionam entre si em eventos. Exemplos desta situação são: a parceria entre as páginas "Garotas Estúpidas" e "Dia de Beauté" que gravaram vídeos, divulgados em ambos os sites e apresentando o dia a dia de suas idealizadoras nas semanas de moda em Paris e, posteriormente, em Londres - contando com uma equipe que auxiliava na editoração das imagens; o casamento da blogueira do "Garotas Estúpidas" que recepcionou convidadas de outros blogs que divulgaram o evento e alguns de seus patrocinadores; o aniversário de Thássia Naves, do Blog da Thássia, que também teve como convidadas blogueiras, patrocinadores e pessoas que apoiaram a promoção do evento.

Além desta rede de relacionamentos aparentemente informal, há outra que, formalmente constituída, organiza e gere diversas páginas: a F*Hits. Fundada em 2011, conforme informações do próprio site, intitulase a "primeira plataforma de blogs de moda e lifestyle do mundo" (F*HITS, 2014). Atualmente. conta com a colaboração de 25 blogueiras, dentre as quais duas compõem o corpus desta pesquisa, e 1 blogueiro. A parceria entre a F*Hits e as bloggers acontece de modo simbiótico: a primeira possibilita que a blogueira foque suas atividades na produção de conteúdo virtual enquanto se dedica à administração dos contratos publicitários, retendo 50% do dinheiro arrecadado, conforme dados de matéria jornalística online da Revista Exame, em 2012, com entrevistas do CEO da companhia e de sua Diretora de Moda e fundadora (EXAME, 2012).

Em 2012, a Revista Fast Company divulgou uma lista com as cinquenta empresas mais inovadoras do mundo (FAST COMPANY, 2012). Baseandose nesta lista, a Revista Forbes anunciou as dez empresas mais inovadoras do Brasil, posicionando a F*Hits em oitava colocação. Em suas palavras e em tom irônico, a revista afirma que a ascendente classe média trouxe luxo às lojas brasileiras, mas não computadores (tradução livre de "a rising middle class has brought luxury to Brazilian storefronts but not laptops") e esse coletivo de blogs atrai 3,5 milhões de acessos únicos por mês. Talvez esta reportagem faça referência a outra, previamente publicada pelo The New York Times em novembro de 2011, quando se afirmava que "the country's Internet infrastructure was still developing and not enough Brazilians were online" e "the writers are becoming a blend of educators and trendsetters for BrazWs rising middle class" (THE NEW YORK TIMES,2011). A estrutura brasileira de internet é evidenciada como um óbice ao desenvolvimento econômico, mas as blogueiras se configuram educadoras e formadoras de opinião da classe média emergente neste contexto.

Há certo cenário de exclusão social e posicionamento de classes. Enquanto o país evolui no acesso às tecnologias de informação e comunicação, a F*Hits inova em tentativa de alcançar a classe média ascendente que não conhecia grandes marcas internacionais, mas que é ensinada a admirálas de "modo natural e amistoso", conforme sua idealizadora, em entrevista (THE NEW YORK TIMES, 2011). A cultura do consumo destes produtos é importada, mas produzida localmente. Esta produção manifesta as alterações no modo de pensar social, bem como processos de subjetivação que orientam a ação humana (GONZÁLEZ REY, 2012) à lógica consumista (LIPOVETSKY, 2004) e são assim os próprios constituintes do social que compreende o gênero feminino. As "amigas" blogueiras organizadas em uma instituição de finalidades explicitamente lucrativas ensinam como alcançar uma feminilidade almejada. A imagem do sucesso e da felicidade é atribuída ao uso de objetos comercializáveis (NUNES,2008).

Além da gestão dos blogs, a F*Hits também possui um ecommerce, que é uma loja virtual que expõe e vende produtos divulgados pelas blogueiras. Estas, por sua vez, recebem uma parcela da receita das vendas. Em suas páginas, elas postam os looks do dia, fotografias de si em casa ou em paisagens naturais afirmando que aquela foi a produção utilizada naquela data. A realidade pode não ser tão fidedigna às afirmações, como algumas leitoras questionam e como afirma a Revista Exame, pois, "depois de receberem as alternativas em casa, as blogueiras montam uma produção e enviam a foto do modelito ao site - elas ganham um percentual em cima de cada venda realizada com a curadoria" (EXAME, 2012). O interesse é mercantil e a venda é a finalidade. As marcas oferecem seus produtos e as modelos que estampam suas campanhas publicitárias são as blogueiras. A aproximação entre o público e a empresa tem o intermédio dessas figuras que sugerem, aconselham e ensinam em seus moldes.

As leitoras questionam e outras blogueiras também participam destas indagações. O modelo F*Hits não é unanimidade e algumas que faziam parte da rede se desligaram ainda no ano inicial da parceria. Sem motivos expressos em palavras públicas, algumas bloggers retomam sua individualidade profissional e o controle de suas receitas financeiras. Individualmente, outros aspectos dos blogs também chamam a atenção e, dentre os recortes de textos publicados, segue abaixo um comentário que uma blogueira sobre o estilo de publicações que posta em seu espaço virtual.

Umparágrafo complementar: Acredito que cada blog tem - e busca - um perfil, uma característica específica e temachave que o diferencie do outro. Mais do que blog de moda, é blog de assuntos femininos em geral (sorry, rapazes), é aquilo que as mulheres gostam de ler/ver e pronto, sem regras. E seja o look do dia, o tutorial de maquiagem ou a cobertura do red carpet, cada blog tem sua pegada na busca de fidelizar suas leitoras (imagina vocês entrarem aqui e não encontrarem essa cobertura?!). Fico feliz que, dentre outras coisas, esse live clássico seja nossa marca registrada. Agora se os blogs de esporte cobrem a Copa do Mundo, nada mais natural do que a gente acompanhar os tapetes vermelhos, simples assim (Nota do blog "Fashionismo" sobre a cobertura do evento Video Music Awards em 27 de agosto de 2013).

Para a autora da página é natural que se comentem assuntos ditos femininos em seu espaço já que este seria um blog feminino. Parafraseando Wacquant (2002, p. 70), "as mulheres não são bemvindas à academia, porque sua presença atrapalha senão o bom funcionamento material, pelo menos a ordenação simbólica do universo pugilístico", esta mesma ordenação simbólica parece imperar nestes espaços. Contudo, aqui o ambiente é feminino. Miller e Shepherd (2004) afirmam que, com o passar do tempo, a blogueira vai se acostumando a expressar sua opinião e evolui em uma relação de confiança em si própria, ponderando que suas próprias opiniões e ideias merecem consideração séria. Mas, se as próprias leitoras contestam esse espaço, não seria essa crítica um espaço para repensar o conceito da feminilidade? Ou mesmo do espaço feminino?

Medeiros e Valadão (2011) alertam que a configuração de gênero atribuído ao espaço organizacional pode acarretar em agravos sociais, tais como a marginalização daquele que não faz parte das características de inserção neste ambiente e a degradação de funções específicas quando ocupadas por outro. Não só o gênero feminino é inerente a este debate, mas todos os atributos que compõem o modelo dominante, pois mesmo entre as mulheres há predicados tidos por ideais que podem contribuir para marginalizar aquelas que não possuem tais qualidades. O estereótipo do ideal pode ser uma forma de propagar a imagem de mercado da mulher perfeita e vender as ferramentas físicas e sociais para sua construção, assim "como a exterioridade técnica é pública [a imagem virtual] ou partilhável, ela contribui em troca para forjar uma subjetividade coletiva"(LÉVY, 2009, p. 74).

Em tempos em que a avaliação crítica é fundamental e os blogs deveriam ser espaços que possibilitassem esse tipo de consideração (BLOOD, 2000), estes veículos estão se reconfigurando em meios de comunicação de massa a serviços dos interesses daqueles que possuem poder econômico para determinar seu conteúdo. A norma reguladora é o patrocínio e nisso os blogs não estão diferentes dos seus antecessores e contemporâneos: a revista e o jornal impresso, a mídia televisionada e as páginas corporativas. As blogueiras podem fazer uso da autoridade que aparentemente possuem para informar aquilo que desejam, mas o público que frequenta esses espaços não é passivo e também possui ferramentas online de contestação.

Acho vc mega estilosa e muitas vezes muita gente é maldosa com vc, mas como sua leitora to já de saco cheio desses jabás de marcas caríssimas que vendem produtos feito na china como esta, as peças dela não tem nada de exclusivas, pelo contrário. Você com o número de fãs que tem acaba induzindo um consumo descontrolado e inconsciente de peças que estão ao alcance da população por um valor bem mais reduzido (Comentário ao Instagram de uma blogueira, posteriormente apagado).

O comentário acima retrata a opinião de uma leitora a uma imagem de uma blogueira que apresentava acessórios (pulseiras e anéis) de uma marca que estava divulgando. Sua opinião parece ser fundamentada numa linha de pensamento que não aceita os excessos da lógica consumista e, mais do que isso, não admite que uma pessoa com tal poder de influência o use de forma a proliferar este "consumo descontrolado e inconsciente". Para Maluf (2012), a descartabilidade é o que incomoda, bem como o vazio provocado pelo consumo desenfreado. Elas (as leitoras) são induzidas a adquirirem produtos que moldurem seus corpos e que, assim, as façam se sentirem melhor, mais femininas, mais mulheres. Um guia para a felicidade que privilegia pessoas de elevadas classes econômicas e com atributos físicos específicos condizentes às imagens veiculadas nos meios de comunicação (MACHADO-BORGES, 2008).

Aff...Tem coisas que simplesmente não vale a pena ler... Eu sempre gostei muito de internet, usava muito IRC/MIRC e ICQ nos primórdios da internet... Acho engraçado, hoje não uso facebook, instagram... As pessoas estão se expondo demais e tem muita gente vivendo em alguma realidade paralela, pq o mundo real não é. Em relação aos blogs, acompanho desde 2008 e muitos nem visito mais. Depois dos episódios das peles, alguns entraram na minha lista negra, por mais que eu tenha curiosidade, não me permito acessar para não dar ibope. A diferença do início dos blogs para hoje é gritante. Tem muita gente se achando super especial, maltratando leitora em comentários, ostentando o mundo e o fundo... O exibicionismo está nas alturas e acho que estamos sofrendo de narcisismo em massa, todo mundo quer se exibir, mostrar o que tem, onde vão, o que fazem e comem... Fala sério... (Comentário de leitora à postagem no Blog "Shame on You Blogueira", no dia 06 de setembro de 2013).

A leitora demonstra em suas palavras que não concorda com o contexto atual dos meios virtuais de divulgação midiática. Para ela, a espetacularização da vida pessoal de figuras públicas reconfigurou o modo como as informações são repassadas às leitoras. Ela cita exemplos pontuais: "episódio das peles", "o exibicionismo" e o "narcisismo em massa"; são situações que a afastam desta "realidade paralela". A virtualização aproxima as pessoas de outras que estão geograficamente distantes (LÉVY, 2009), mas distancia aquelas que mesmo nesta proximidade não se sentem pertencentes a um mesmo espaço. Entretanto, as blogueiras também representam outro ponto de vista, às vezes contrário aos meios de comunicação dominante tais como a TV e as revistas de moda (TAVERNARI; MURAKAMI,2012), legitimandose como fonte de informação (STEFANIC, 2010) e podendo funcionar como um escape às compleições do gênero feminino formatadas por essas mídias.

Tecnicamente nenhuma blogueira está oferecendo os seus "serviços" de graça. É apenas um negócio e nada mais. Sendo assim, temos que exigir qualidade nos blogs que acompanhamos - qdo vc vai numa loja e é mal atendido, o que vc faz??? (Eu não volto mais, e algumas vezes deixo bem claro o motivo) (Comentário de leitora à postagem no Blog "Shame on You Blogueira", no dia 02 de outubro de 2013).

No contexto analisado por Schweig et al. (2009) as blogueiras eram percebidas como pessoas de confiança que indicavam produtos porque realmente gostavam daquilo que diziam usar. Este cenário não pode ser generalizado, como a própria leitora citada sugere; os blogs se tornaram instituições lucrativas já que postagens são mantidas por marcas que financiam o conteúdo que as blogueiras publicam em seus sites. A própria blogueira se tornou uma manequim das marcas que anuncia. Suas fotos são seguidas de créditos dos produtos que usa em seu "look do dia", acompanhados pelos links que direcionam suas leitoras às lojas que comercializam a blusa, bolsa, calça, pulseira, sandália e outros itens que estejam visíveis nas imagens. As leitoras são suavemente conduzidas àquelas lojas como se o interesse seja apenas dela, como se aquela pessoa que diz estar usando aqueles produtos em seu dia a dia realmente esteja oferecendo um conselho de amiga.

O trabalho da blogueira é uma extensão de seu próprio corpo, não no sentido do uso dos seus membros em atividades laborais que exigem esforço físico, mas na virtualização de sua imagem exposta constantemente em diferentes espaços virtuais e na socialização das suas relações com suas leitoras. Em Wacquant (2002, p. 150) "os boxeadores chegam a considerar seu corpo [...] como seu capital profissional" e o boxe como "uma prática eminentemente social e quase culta, exatamente porque ele parece pôr em jogo somente os indivíduos que arriscam seus corpos no ringue" (2002, p. 170). A situação das blogueiras se assemelha às descritas pelo autor porque elas expõem o seu capital, seu corpo e seus pensamentos, e adentram um campo em que quase tudo é permitido. O virtual garante o anonimato daquelas(es) que visitam seus blogs e emitem críticas ao seu conteúdo de publicação, às suas roupas e acessórios e à sua própria figura. Não é apenas o que elas usam e divulgam, mas a própria blogueira também é alvo de leitoras(es) que não concordam com aquilo que elas expressam.

O "ringue" - permitindonos a metáfora - dos comentários é editado, mas quem lê um blog não comenta sobre ele apenas em seu espaço. O instagram, o facebook, o twitter, outros blogs e meios de conexão permitem que as diversas falhas desta ou daquela blogueira sejam apontadas, assim como os elogios à sua imagem, apesar de isso ser mais comum nas próprias páginas de quem se fala. O blog, assim como "o gym funciona[m] como uma instituição quase total, que pretende regulamentar toda a existência do boxeador - seu uso do tempo e do espaço, a gestão de seu corpo, seu estado de espírito e seus desejos" (WACQUANT, 2002, p. 75). A blogueira exibe cronologicamente seus atos nas plataformas das quais faz uso, suas viagens, suas reuniões de trabalho, sua vida em família, seu casamento e sua relação com seu companheiro - nos casos analisados não apareceram companheiras - sua lista de desejos, seus anseios profissionais e suas realizações. Além destes aspectos de sua vida, outros podem ser evidenciados e auxiliarem a validar esta comparação entre o gym de Wacquant (2002) e os blogs femininos.

5. CONCLUSÕES

Os discursos analisados e as observações realizadas demonstram a construção do blog como um espaço feminino e uma organização virtual com finalidades comerciais e distantes do conceito deste ambiente como um diário virtual de registros pessoais. Contudo, esse espaço permanece em constante processo de construção, pois há críticas de suas leitoras que interagem entre si e com a figura da blogueira, além de as próprias autoras divulgarem esporadicamente algumas reflexões sobre a própria imagem e sobre as críticas que recebem.

Nos casos analisados há similaridades facilmente percebidas entre as estruturas e conteúdo postados, mas um blog se distancia dessas semelhanças. A blogueira Shame publica constantemente imagens e textos retirados de outras páginas, apresentando críticas às imagens divulgadas e à grafia desses mesmos textos. Assim como as leitoras são críticas a alguns aspectos que identificam e publicam em determinado blog e em outros espaços - tanto em concordância quanto identificando aspectos com os quais discordam -, a própria autora também o faz e se orgulha da quantidade de acessos que recebe.

Como objetivo desse trabalho, buscouse analisar a influência do acesso diário a blogs de opinião - aqui considerados organizações sociais virtuais - na percepção destes espaços como empresas com finalidade lucrativa e intenções diretivas para aquelas pessoas que os visitam e, indo ao encontro da literatura explorada, há diversos tipos de páginas na contemporaneidade que redefinem seus papéis mercadológicos e se tornam empresas por si mesmas, não mais ferramentas de apoio publicitário. Nesses websites, há mulheres leitoras que se identificam com as imagens dessas blogueiras na tentativa de participarem dos mesmos eventos, vestirem as mesmas roupas e/ou usarem os mesmos produtos. A constituição subjetiva do si é apoiada neste acesso online. Contudo, assim como há essas que se identificam, há aquelas que se distanciam, que não concordam e afirmam serem outro tipo de mulher. São padrões de crítica ou de reprodução dos perfis estereotipados do feminino divulgados nesses espaços virtuais.

A fim de prosseguir, em estudos futuros, pretendese, ainda, aprofundar esta análise por meio do contato direto com as leitoras desses blogs femininos com fins de compreender os processos subjetivos de constituição das feminilidades contemporâneas. Para aquelas que leem esses blogs, esse processo pode ser determinante na constituição de sua feminilidade e se torna relevante, especialmente para o contexto dos estudos organizacionais, aclarar esse processo já que essas organizações estão em um momento de efervescência comercial.


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Pensamiento & Gestión
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