ARTÍCULO DE INVESTIGACIÓN / RESEARCH ARTICLE
Boom minero-energético e aprofundamento da dependência na Colômbia: a inserção em um modelo exportador de especialização produtiva pós-1990 [1]
Mining-energy boom and deepening of dependence in Colombia: insertion in an export model of productive specialization post-1990
Auge minero-energético y profundización de la dependencia en Colombia: inserción en un modelo exportador de especialización productiva post-1990
José Redondo Ochoa
jredondo9221@gmail.com Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Resumo: Este artigo pretende avançar na compreensão das causas da maior dependência e vulnerabilidade da economia colombiana, em decorrência do processo de liberalização comercial e desregulamentação financeira, iniciado no país no começo da década de 1990. Argumenta-se que a inserção em um modelo primário-exportador de especialização produtiva, voltado para as commodities do setor extrativo, tem aprofundado a instabilidade macroeconômica nos últimos anos, dadas as recorrentes flutuações do preço internacional dos produtos minero-energéticos. Além disso, afirma-se que a concessão de maiores benefícios ao capital estrangeiro que investe nesse setor tem contribuído para a exacerbação da dependência.
Palavras-chave: modelo primário-exportador, especialização produtiva, setor minero-energético, vulnerabilidade macroeconômica, fluxos de capitais estrangeiros.
Abstract: This article aims to advance the understanding of the causes of the greater dependence and vulnerability of the Colombian economy, as a result of the process of trade liberalization and financial deregulation, which began in the country in the early 1990s. It is argued that the insertion in a primary-export model of productive specialization, aimed at commodities of the extractive sector, has deepened macroeconomic instability in recent years, given the recurring fluctuations in the international price of mining-energy products. In addition, it is stated that the granting of greater benefits to foreign capital that invests in this sector has contributed to the exacerbation of dependence.
Keywords: primary-export model, productive specialization, mining-energy sector, macroeconomic vulnerability, foreign capital flows.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo avanzar en la comprensiôn de las causas de la mayor dependencia y vulnerabilidad de la economía colombiana, como resultado del proceso de liberalización comercial y desregulación financiera, iniciado en el país a principios de la década de los noventa. Se argumenta que la inserción en un modelo primario-exportador de especialización productiva, orientado a commodities del sector extractivo, ha profundizado la inestabilidad macroeconómica en los últimos años, dadas las fluctuaciones recurrentes en el precio internacional de los productos minero-energéticos. Además, se afirma que el otorgamiento de mayores beneficios al capital extranjero que invierte en este sector ha contribuido a exacerbar la dependencia.
Palabras clave: modelo de exportación primaria, especialización productiva, sector minero-energético, vulnerabilidad macroeconómica, flujos de capital extranjero.
1. Introdução
Nas duas últimas décadas do século XX, a Colômbia sofreu profundas transformações econômicas, políticas e institucionais. Na maioria dos países da América Latina, ditas transformações foram resultado da imposição, por parte do capitalismo internacional - que atravessava forte crise desde final dos anos 1960 -, de um conjunto de medidas e reformas que buscavam principalmente: enxugamento dos Estados nacionais e progressistas, privatização de ativos públicos como meio de obter recursos para "pagar" a dívida externa, desregulamentação sobre a movimentação do capital, reformas dos sistemas financeiros nacionais (procurando a implantação do sistema de metas de inflação e a adesão ao Acordo de Basiléia), abertura comercial mediante rebaixamento de tarifas e eliminação de regras restritivas ao comércio internacional, reforma e privatização da Previdência Social pública e privada (aumentando as contribuições dos trabalhadores, eliminando direitos e alongando as datas para obtenção dos benefícios) e reformas da legislação trabalhista (Cano, 2017).
O estabelecimento e consolidação daquele projeto neoliberal ao longo da década de 1980 pôs fim ao processo de industrialização nas economias latino-americanas, o qual tinha começado nos anos trinta em decorrência da Grande Depressão de 1929. De acordo com Osorio (2012), naquele período se dá início a um novo padrão exportador de reprodução do capital na América Latina, caracterizado pela especialização produtiva dos países da região, que tem diferenças e semelhanças em relação ao antigo padrão agro-mineiro-exportador do século XIX e começos do século XX. Nas palavras deste autor:
"o novo padrão exportador de especialização produtiva apresenta diferenças substanciais em relação ao padrão agro-mineiro-exportador que prevaleceu na região a partir de meados do século XIX até o início do século XX, particularmente devido ao maior grau de elaboração de muitos dos bens exportados. Esse novo padrão exportador, por outro lado, apresenta semelhanças com o anterior, como o peso dos bens agromineiros no total das exportações, aos quais se somam agora alguns bens secundários, seja de produção local, seja de maquiladoras" (Osorio, 2012, p. 103).
Por outra parte, alguns autores atribuem a constituição deste novo padrão a um consenso na América Latina, denominado "Consenso das Commodities", baseado na exportação de bens primários em larga escala. Nesse sentido, Svampa (2013, p. 31) aponta que:
"Assim, embora seja verdade que a exploração e exportação de matérias-primas não são atividades novas na América Latina, é claro que nos últimos anos do século XX, em um contexto de mudança do modelo de acumulação, intensificou-se notoriamente a expansão de megaprojetos voltados ao controle, extração e exportação de bens naturais, de baixo valor agregado. Portanto, o que de modo geral aqui chamamos de «Consenso das Commodities» enfatiza a entrada em uma nova ordem, ao mesmo tempo econômica e político-ideológica, sustentada pelo boom dos preços internacionais das matérias-primas e dos bens de consumo cada vez mais demandados pelos países centrais e potências emergentes, o que gera indubitáveis vantagens comparativas visíveis no crescimento econômico e no aumento das reservas monetárias, mas ao mesmo tempo cria novas assimetrias e profundas desigualdades nas sociedades latino-americanas." (Svampa, 2013, p. 31).
Na Colômbia, o retrocesso para um padrão exportador como o descrito acima por ambos os autores, é claramente evidenciado e constatado a partir dos dados de comércio exterior[2]. Contudo, a inserção do país em um modelo exportador de especialização produtiva apresentou características particulares se comparado com outras economias da região. No Brasil, por exemplo, bem como na maioria dos países da América do Sul, os governos progressistas ou de orientação nacionalista eleitos no começo da década de 2000, opuseram-se às ideias e políticas neoliberais que haviam sido hegemônicas na década de 1990, mas mantiveram a política macroeconômica ortodoxa daquele período e só, aos poucos, foram mudando - em alguns casos - sua estratégia econômica, sem ter conseguido alterar ainda, substantivamente, o modelo tradicional de inserção da economia sul-americana (Fiori, 2011).
De qualquer forma, o boom de preços das commodities nas duas últimas décadas, além da ascensão econômica vertiginosa da China como grande comprador das exportações tradicionais sul-americanas (petróleo, minérios e grãos), têm aprofundado a inserção dos países da região na divisão internacional do trabalho enquanto exportadores de bens primários ou de baixo valor agregado. No caso da Colômbia, os trabalhos de Otero (2012), Clavijo, Vera e Fandiño (2012), Zuluaga (2017), entre outros, mostram que o auge do setor minero-energético provocou um processo paulatino de desindustrialização no país, configurando-se o fenômeno conhecido como "doença holandesa" na economia colombiana.
Nesse sentido, neste artigo pretende-se mostrar a relevância e o peso que ganharam as exportações do setor minero-energético (petróleo e seus derivados, carvão e ferroníquel, principalmente) a partir do processo reformista de final do século passado, que abriu as portas ao investimento estrangeiro, notadamente voltado para o setor extrativo. Em consequência, a economia colombiana tem mostrado ao longo do século XXI uma forte dependência das flutuações dos preços internacionais dessas commodities, se afastando cada vez mais da implantação de uma política industrial vigorosa e soberana, como aquela que predominara durante boa parte do século XX.
Assim sendo, o artigo encontra-se dividido em três seções. Na primeira descreve-se a mudança que operou na pauta de comércio exterior colombiana pós-1990, que deu lugar à constituição de um novo padrão de reprodução do capital, voltado para a especialização do país na produção de commodities dos setores extrativistas. Na segunda seção analisa-se o papel do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no setor minero-energético colombiano, a partir da política de maiores concessões e benefícios às empresas multinacionais adotada no começo da década de 2000, durante o primeiro mandato do presidente Álvaro Uribe (2002-2006). Finalmente, na terceira seção, apresentam-se algumas reflexões e considerações finais.
2. Boom minero-energético e mudança na pauta de comércio exterior pós-1990
2.1. Características principais do comércio de exportação
Nas três décadas que sucederam a Segunda Guerra Mundial, o setor externo colombiano teve uma mudança importante na sua composição. Os dados da tabela 1 revelam que, por um lado, apesar da pauta de exportação ter sido marcada pelo predomínio do café no total exportado, é evidente que esse produto diminuiu gradativamente sua participação ao longo daquele período. Dessa forma, começaram a ganhar peso no comércio internacional as exportações manufatureiras, as quais representavam somente 3% do total no começo da década de sessenta, passando para pouco mais de 20% dez anos depois. Por outro lado, os dados mostram também que no período de pós-guerra, os bens de consumo deixaram de representar o grosso das importações, passando a ganhar maior relevância a importação de bens intermediários e de capital.
Autores como Cano (2000) sustentam que essa mudança foi favorecida pela implantação do modelo de industrialização substitutiva, que teve forte presença do Estado tanto no planejamento quanto na produção, através de grandes investimentos em setores estratégicos da economia. Aquelas décadas representaram tempos de soberania política e econômica no país, o que levou a melhoras nas condições de vida da população[3], aumento acelerado da urbanização e altas taxas de crescimento econômico.
As reformas neoliberais dos anos oitenta e noventa, que impuseram ao país a liberalização de sua atividade comercial com o resto do mundo, geraram um novo panorama com relação à composição do comércio exterior colombiano. A partir da década de 1990, a pauta de exportação do país apresentou mudança radical quando comparada com as quatro décadas anteriores.
Nesse sentido, apesar dos bens primários nunca terem abandonado seu protagonismo nas exportações colombianas ao longo da história - inclusive durante a fase áurea da industrialização do país - é preciso destacar que a partir dos anos 1990, as vendas externas de café perderam participação significativa para os produtos da indústria minero-energética (Tabela 2). Dessa forma, começa a se constituir na Colômbia um novo padrão exportador de especialização produtiva como o descrito por Osorio (2012), sob a liderança dos bens provenientes do setor extrativo. Esse novo modelo pôs fim ao projeto de industrialização que vinha sendo construído no país desde o pós-guerra, e significou o retorno para um padrão de reprodução do capital semelhante ao que se tinha na Colômbia no final do século XIX e começo do XX.
A diferença mais importante com aquele modelo agro-minero-exportador é que o café não é mais o produto principal de exportação, passando a sustentar-se o processo de acumulação capitalista na exploração e extração das commodities do setor minero-energético, principalmente petróleo, carvão e ferroníquel. Por outra parte, as atuais exportações de recursos naturais são mais intensivas em tecnologia e apresentam maior dotação de capital do que aquelas que predominaram na pauta de comércio exterior no antigo padrão de reprodução do século XIX.
A tendência observada a partir dos dados da tabela 2 é bastante clara: excluindo o café, em 1992 as exportações tradicionais (cujos produtos são basicamente os da indústria extrativa) representavam 30,2% do total exportado; essa cifra subiu para 44,7% em 2000 e para 67,8% em 2013. Por sua parte, as exportações cafeeiras, que apresentaram comportamento irregular ao longo da década de noventa, não conseguiram se recuperar após a crise financeira de final do século passado, chegando a representar, em 2013, somente 3,2% da pauta de exportação.
Por sua vez, nos gráficos apresentados abaixo contata-se o predomínio que passaram a ter as exportações tradicionais do setor extrativo a partir dos anos 2000. O gráfico 1 mostra que, tirando 2005, nas duas primeiras décadas deste século, as exportações tradicionais representaram sempre uma parcela maior que as exportações não tradicionais[4]. Em 2013, ano em que se observa a maior diferença, as exportações tradicionais colombianas representaram 71% do total. É importante destacar que essa diferença tão acentuada é explicada, em boa parte, pelo incremento substancial da cotação internacional do petróleo naquele ano.
Por outro lado, o gráfico 2 mostra a evolução das exportações das principais commodities do setor primário. Como pode ser visto, o produto tradicional mais importante na pauta de exportação do país é o petróleo e seus derivados, apresentando aumento considerável após a crise financeira de 2008, impulsionado principalmente pelo boom dos preços internacionais do cru. Em 2013, somente as exportações petroleiras representaram pouco mais de 55% do valor total exportado pela Colômbia. Além disso, a partir dos anos 200 se verifica maior importância das exportações de carvão, as quais mantiveram-se sempre acima das vendas externas de café ao longo dos últimos vinte anos[5].
Como mencionado anteriormente, no final da década de 1990, a Colômbia passaria por uma das crises mais profundas de sua história, especificamente entre 1997 e 1999, como resultado da liberalização financeira e de todo o programa de reformas que foi adotado no país no início daquela década. Durante a crise houve forte reversão dos fluxos de capital que tinham entrado ao país e os termos de troca deterioraram-se, o que gerou grande contração do crescimento econômico (acima de 4%). Uma vez que a crise terminou, a economia colombiana iniciou um período de crescimento sustentado, atingindo taxas médias anuais de crescimento de 4,8% entre 2004 e 2012 (Uribe, 2012).
Embora vários fatores contribuíssem para esse desempenho, como maior estabilidade macroeconômica, melhoras na segurança e aumentos substanciais nos investimentos privado e público, uma das principais explicações está ligada ao boom no setor minero-energético. Aliás, naquele período foram feitas uma série de mudanças institucionais e regulatórias nos setores mineiro e petroleiro[6], as quais, juntamente com o aumento sustentado dos preços internacionais, favoreceram o incremento da produção e das exportações desse tipo de bens. No entanto, essas mudanças sempre tiveram como objetivo principal a concessão de maiores benefícios ao capital estrangeiro, visando atrair investimentos para o setor extrativo colombiano.
Nesse sentido, os dados de comércio exterior sobre exportações por setor econômico na Colômbia, segundo grupos de produtos definidos pela Organização Mundial de Comercio (OMC) a partir da Revisão 3 da Classificação Uniforme para o Comércio Internacional (CUCI), também mostram de forma clara a tendência que aqui pretende-se destacar. Esta classificação divide as exportações em quatro grupos setoriais bem definidos: o setor agropecuário, o setor de combustíveis e produtos das indústrias extrativas, o setor de manufaturas e "outros setores".
De acordo com os dados da tabela 3, desde o segundo mandato do presidente Álvaro Uribe Vélez (2006-2010), quando as mudanças que operaram no marco regulatório da atividade da mineração e exploração petroleira na Colômbia encontravam-se instauradas, a expansão do setor minero-energético continuou ainda com mais ímpeto no país. O aumento dos preços internacionais destas commodities, aliado às políticas de contratos de concessão[7] adotadas desde o início dos anos 2000, contribuíram para o aprofundamento da dependência do país das flutuações do mercado internacional desse tipo de bens.
Desse modo, a tão almejada estabilidade macroeconômica dos atuais governos na Colômbia tem sido cada vez mais subordinada ao comportamento dos preços externos das commodities da mineração e dos hidrocarbonetos. Em consequência, a política econômica tem acompanhado o ciclo dos preços, havendo políticas contracionistas quando ocorrem choques de preços como o de 2014, quando o preço internacional do petróleo despencou. De fato, como pode ser visto na tabela 3, é justamente após 2014 que pode ser constatada uma ruptura na tendência crescente da participação do setor de combustíveis e produtos das indústrias extrativas no total exportado.
Além dos recorrentes cortes no gasto público, essa situação também tem provocado, por exemplo, a aprovação de várias reformas tributárias nos últimos anos. As mais recentes foram submetidas pelo governo do ex-presidente Juan Manuel Santos (2014-2018) e pelo atual presidente Ivan Duque (2018-2022) ao legislativo em 2016 e 2018, respectivamente[8]. As reformas buscavam, principalmente, aumento da arrecadação para cobrir o déficit fiscal agravado pela forte redução das receitas provenientes dos impostos às empresas do setor minero-energético[9].
2.2. Comportamento das importações no século XXI
As importações foram uma variável fundamental durante o padrão industrial de reprodução do capital na Colômbia. O processo de industrialização substitutiva consistiu basicamente em substituir com produção local grande parte da demanda interna que se satisfazia com importações. Dessa forma, a política econômica daquele período privilegiou e impulsionou o crescimento de alguns setores industriais de produção de bens de consumo corrente, através do aumento das tarifas de importação desse tipo de produtos, mas diminuição dessa taxação quando se tratasse de importação de matérias-primas e bens de capital para a indústria nacional. Com isso, pela primeira vez na história do país, os bens de consumo começaram a diminuir gradativamente sua participação no valor total das importações, chegando a representar 7,3% do total no começo dos anos 1960. Por sua parte, a importação de bens intermediários e de capital, naquele mesmo período, atingiu 90% do valor total importado (ver tabela 1).
A interrupção do padrão industrial no final da década de 1970 e a conseguinte liberalização comercial imposta ao país impediu que continuasse dita tendência. Apesar dos bens intermediários e de capital continuarem representando o grosso das importações, os dados mostram que os bens de consumo voltaram a ter sua participação incrementada nos últimos vinte anos. A partir dos dados da tabela 4 e do gráfico 3, a seguir, é possível verificar esse comportamento.
Há que destacar que a ruptura da tendência descrita acima é consequência da constituição do padrão exportador de especialização produtiva nos últimos anos do século passado, que jogou a produção industrial numa estagnação progressiva que se mantém até hoje, tanto na Colômbia quanto nas economias latinoamericanas. Nesse sentido, podem salientar-se alguns fatores estruturais que têm limitado o crescimento do setor industrial no país nas últimas décadas: a vulnerabilidade da estrutura produtiva diante perturbações externas ou choques associados a mudanças no entorno internacional, a velocidade da abertura comercial, os efeitos das flutuações e turbulências macroeconômicas, a gestão da política cambial - especialmente durante a década de 1990 -, fatores estruturais no nível setorial e a incapacidade estatal para planejar um modelo de desenvolvimento setorial de longo prazo, que incentive a transformação produtiva e possibilite a consolidação de um aparelho industrial competitivo internacionalmente (Maldonado, 2010).
Assim sendo, é evidente que ao longo deste século a Colômbia continua tendo uma participação muito alta das importações de matérias-primas, produtos intermediários e bens de capital para a indústria de transformação (quase 80%, segundo o gráfico 3). Porém, a importância desse tipo de importações no século XXI não responde ao estabelecimento de políticas protecionistas em favor da indústria nacional, como aconteceu no período de pós-guerra. Este comportamento representa, muito pelo contrário, a ausência de uma indústria nacional de produção de bens de capital, que somada à política de tratados de livre comércio com economias centrais como a de Estados Unidos e alguns países europeus, tem aprofundado a inserção do país na divisão internacional do trabalho enquanto exportador de bens primários e importador de produtos intensivos em capital e tecnologia.
3. Peso do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no setor extrativo colombiano
O debate sobre a exploração de recursos naturais como fonte de crescimento econômico nos países subdesenvolvidos retornou com força como resultado do último boom de preços das commodities ocorrido entre 2003 e 2012, que impulsionou as exportações desse tipo de bens ao redor do mundo. Não obstante, na Colômbia, a diferença de outros episódios semelhantes ocorridos no passado, este último boom de preços esteve acompanhado de fortes entradas de capital, especialmente de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), direcionado para o setor minero-energético, a fim de financiar sua expansão[10]. É inegável que esse comportamento foi favorecido adicionalmente pelo maior grau de abertura da conta de capital das economias latino-americanas nos últimos tempos. Ademais, o incremento da rentabilidade nas atividades desse setor, bem como melhores condições internas (tais como regime tributário e estrutura contratual mais favorável) também são fundamentais para explicar dita tendência.
Esses aumentos na rentabilidade estiveram claramente associados ao bom desempenho dos preços internacionais das commodities do setor mineiro e do petróleo, em particular. Assim, no caso do petróleo, seu preço por barril subiu de US$19 em 2002 para US$101 em 2012, e sua produção no país mais que duplicou, até atingir um milhão de barris por dia no final de 2014 e começo de 2015[11], se beneficiando também da recuperação de poços secundários e do aproveitamento de novas tecnologias. No mesmo período, o carvão e o ouro apresentaram comportamento similar: no primeiro caso o preço aumentou de US$31/tonelada para US$82/tonelada e sua produção subiu de 32 milhões de toneladas em 2002 para 89 milhões em 2014; no segundo caso, o preço aumentou de US$282 onça troy para US$1.685 onça troy, e sua produção passou, naquele mesmo período, de 411.000 onças troy para 2.460.000 onças troy[12].
Conforme colocado acima, além do incremento acelerado dos preços das commodities do setor minero-energético na primeira década deste século, o aumento considerável das quantidades de IDE direcionado para o setor extrativo colombiano também encontra sua explicação nas condições vantajosas que os contratos de concessão trouxeram às multinacionais petroleiras e mineiras. Em vista disso, Acosta (2010) aponta que diferentes medidas são utilizadas no marco desse tipo de contratos, as quais permitem atrair capitais estrangeiros e aumentar a produção em períodos relativamente curtos. Entre elas podem ser destacadas: redução da carga tributária, concessão de facilidades para a repatriação de lucros, redução de exigências ambientais e trabalhistas etc.
Os dados sobre IDE corroboram essa tendência para o caso colombiano. A partir dos dados da tabela 5, pode-se constatar aumento considerável do IDE no setor petrolífero e mineiro desde o começo da década de 2000, sobretudo a partir de 2004, quando entraram em vigência os contratos de concessão, no caso do petróleo. Com exceção dos fluxos negativos observados no final da década de 1990 - muito provavelmente como consequência da crise financeira que o país atravessou naquela época -, a partir da década de 2000, o IDE direcionado para o setor petrolífero iniciou uma fase de rápido crescimento, passando de US$ 449 milhões em 2002 para US$ 2.637 milhões em 2009, diminuindo um pouco por conta da crise, mas atinge seu patamar mais alto em 2012, quando chega a pouco mais de US$ 5.470 milhões.
Por sua vez, o IDE direcionado para o setor da mineração apresentou comportamento similar: a partir de 2002 ultrapassa os US$ 460 milhões, atingindo quase US$ 2.500 milhões em 2012, quando começa a ter um declínio por causa da queda subsequente dos preços das commodities. Juntando os dois setores (mineração e petróleo), o gráfico 4 indica que eles passaram de representar 42,8% do IDE total em 2002 para 70,3% em 2009, quando atingiram a maior participação percentual no período analisado. Por último, o setor das manufaturas, que percebia 37,1% do IDE em 1994, caiu para 14% em 2016.
Desse modo, é evidente que a Colômbia consolidou nas três últimas décadas um modelo de desenvolvimento econômico baseado na exportação de produtos do setor minero-energético. De acordo com Bonilla (2011), apesar do incremento do investimento estrangeiro e dos excedentes financeiros do setor, a estratégia de concentração no carvão e no petróleo - com o consequente impacto negativo na indústria -não conseguiu modificar o esquema de desigualdades sociais nem resolver o desemprego, principal problema macroeconômico do país. Nesse sentido, a crescente liberalização comercial e desregulamentação financeira da economia colombiana não tem gerado um processo de crescimento estável e sustentado.
4. Considerações finais
As reformas neoliberais impostas à Colômbia nas duas últimas décadas do século passado - a partir do conhecido Consenso de Washington - submergiram o país em forte recessão econômica no final da década de 1990 e representaram um retrocesso em relação à autonomia e soberania de sua política econômica. A maior abertura comercial e financeira agravou a dependência da economia nacional das dinâmicas dos países centrais, que se constituíram nos principais mercados de destino das exportações colombianas, aprofundando a inserção do país na divisão internacional do trabalho enquanto exportador de produtos primários. Desse jeito, foi se desenvolvendo um novo padrão de reprodução do capital, caracterizado pela especialização produtiva em bens derivados das indústrias extrativas, que por sua vez atraíram ingentes quantidades de investimento estrangeiro, dado o boom de preços das commodities minero-energéticas e os maiores benefícios oferecidos pelas autoridades econômicas desde o início deste século.
No entanto, o declínio dos preços internacionais do petróleo e, em geral, dos principais bens de exportação do país nos últimos anos, tem chamado a atenção para os perigos da manutenção de um modelo de acumulação sustentado na especialização produtiva em recursos naturais não renováveis, voltados em sua grande maioria para os mercados externos. A experiência colombiana e de alguns países latino-americanos ensina que a inserção em um modelo primário-exportador de especialização produtiva não deve ser vista como uma alternativa de crescimento econômico sustentado, toda vez que ela tem como elemento central a dependência da demanda externa.
Desde o final da década de 1960, alguns pensadores têm insistido que o desenvolvimento dos países "atrasados" não é um objetivo que se atinge ao longo do tempo, como se fosse um caminho a percorrer. Segundo essa corrente de pensamento, o principal obstáculo ao desenvolvimento dos países da chamada "periferia" capitalista é justamente sua dependência econômica dos países centrais.
Essa dinâmica centro-periferia resulta ainda mais preocupante quando se pensa nas características particulares do padrão de acumulação atual e suas consequências do ponto de vista ambiental. Em um contexto internacional em que os países centrais buscam alternativas aos grandes males ambientais que afligem o planeta, seria ingênuo imaginar que um modelo de desenvolvimento baseado na exploração mineiro-energética seja sustentável no longo prazo.
Por último, há que se destacar que são cada vez maiores os conflitos de interesse envolvidos em torno às atividades extrativistas como resultado da expulsão de comunidades em condição de vulnerabilidade nos territórios em que se desenvolve. Assim, além dos resultados indesejáveis em termos de soberania política e econômica, o auge da mineração e da extração petrolífera na Colômbia tem tido grande resistência de parte de alguns setores políticos e sociais do país, uma vez que ele tende a provocar desestruturação das economias regionais, destruição da biodiversidade e aprofundamento da concentração da terra. Por isso, é importante priorizar na agenda nacional, superadas as vicissitudes geradas pela pandemia da covid-19, a construção de uma nova senda de crescimento fundamentada na transição para a utilização de energias mais limpas e ecologicamente amigáveis.
Notas
[1]O presente artigo baseou-se na interpretação contida no capítulo 3 da dissertação de mestrado de Redondo (2018).
[2] Como se verá em seguida, diferentemente do modelo industrializante liderado pelo Estado colombiano nas quatro décadas que antecederam o processo de reformas neoliberais, o novo padrão exportador do país aprofundou a sua inserção na divisão internacional do trabalho como nação basicamente dependente da produção e exportação de bens da indústria extrativa, perdendo peso no total das exportações tanto os produtos da indústria de transformação quanto o maior produto de exportação na história colombiana: o café.
[3] Cano (2000, p. 356-57) aponta que "mais empregos e melhores salários, e também uma política de gastos públicos, permitiram uma melhora na distribuição da renda: entre 1970 e 1980 o quintil mais rico diminuiu sua parcela (66,1% para 58,8%) ao passo que o mais pobre aumenta-a de 2% para 3,4%. Os indicadores de pobreza também mostram uma melhora: entre 1970 e 1980 a porcentagem da população abaixo da linha de pobreza cai de 45 para 39 (de 38 para 36 no urbano e de 54 para 45 no rural) e a parcela abaixo da linha de indigência cai de 18 para 16".
[4]Nas estatísticas do Departamento Administrativo Nacional de Estadística (DANE) da Colômbia, as exportações não tradicionais incluem alimentos e bebidas, têxteis, químicos, confecções, entre outros.
[5]De acordo com Palomá Parra (2014), o incremento da mineração do carvão na Colômbia coincidiu com a aprovação do Código de Minas em 2001, que desconheceu os direitos das comunidades étnicas ao outorgar concessões nos seus territórios. Além disso, o atual marco jurídico ignora os processos de ordenamento territorial e ambiental, pois limita a ação das autoridades ambientais para declarar novas zonas de exclusão mineira, além de violentar os processos de participação cidadã na tomada de decisões sobre exploração mineira em alguns territórios.
[6] Para mais informações consultar os trabalhos de Arango (2012) e Vásquez (2016).
[7] Para maiores informações sobre as características dos contratos de concessão ver López, et al. (2012).
[8] A regressividade dessas reformas tributárias, além daquela que se pretendia aprovar no Congresso recentemente (com medidas como o imposto sobre pensões e serviços públicos), gerou um mal-estar generalizado na população colombiana, o que desencadeou a crise social que o país atravessa na atualidade, aprofundada, diga-se de passagem, pela pandemia da Covid-19.
[9] Segundo o Ministério da Fazenda e Crédito Público, entre 2013 e 2016 se produziu a diminuição mais pronunciada das receitas fiscais do Governo Nacional nos últimos 35 anos (de aproximadamente 3,4% do PIB), como consequência da queda dos preços do petróleo. Somente o setor petroleiro contribui com mais de 20% das receitas correntes do Estado colombiano. Portanto, a queda acentuada dos seus preços tornou-se a preocupação principal da política econômica desde 2014.
[10] Segundo Powell (2015), naquele decênio, no caso do Chile e da Argentina, por exemplo, mais de 40% do IDE se direcionou para os setores produtores de matérias-primas, enquanto no Brasil essa porcentagem foi de aproximadamente 25%.
[11]Para informações mais precisas, acessar: https://www.semana.com/economia/articulo/produccion-barriles-petroleo-colombia/205714/
[12]Essas informações podem ser constatadas no trabalho de Goda e Torres García (2015).
Referências
Acosta, A. (2010). Maldiciones que amenazan la democracia. Nueva Sociedad, 229, 42-61.
Arango, C. (2012). Discursos y tensiones presentes en la legislación minera: el código de minas ley 685 de 2001 y su reforma ley 1382 de 2010 [Tesis de pregrado] Universidad EAFIT. https://hdl.handle.net/10784/716
Bonilla, R. (2011). Apertura y reprimarización de la economía colombiana: un paraíso de corto plazo. Nueva Sociedad, 22(231), 46-65.
Cano, W. (2000). Soberania e política econômica na América Latina. São Paulo: UNESP.
Cano, W. (2017). Brasil: construção e desconstrução do desenvolvimento (Texto para discussão n° 304). Instituto de Economia, Unicamp. https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/3533/TD304.pdf
Clavijo, S., Vera, A., & Fandiño, A. (2012). La desindustrialización en Colombia. Bogotá: Anif
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